Como Jesus Cristo transformou a água em vinho, alguém em Portugal, um ilustre desconhecido, ao fazer uma infusão de casca de limão teve a ideia de lhe chamar chá, ideia que encontrou, no nosso país, terreno fértil para se disseminar e popularizar.
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E assim, com uma simples casca daquele citrino, passámos a ter todo o “chá” que quiséssemos, e sem necessidade de recorrer à plantinha chamada chá.
O milagre estendeu-se depois à cidreira, à camomila, ao funcho.
Ou terá este hábito começado com a cidreira? Bem, na prática vai dar ao mesmo.
Com muito menos influência popular, mas não menos notável, é o milagre das tripas.
Um dia, no decurso de uma viagem até ao Porto, decidimos parar num restaurante da serra, antes de Amarante, para almoçarmos.
Na ementa anunciava-se, entre outros pratos, tripas à portuguesa.
Interessado em conhecer os ingredientes, e em que é que diferiam dos das tripas à moda do Porto, perguntei à jovem empregada, que nos atendeu, o que levava o prato além das ditas.
Sem pestanejar, sorridente e feliz, na superficialidade e simplicidade da resposta, esclareceu de imediato que não levava tripas. “As tripas é o feijão”, são tripas sem tripas. É bom, para quem não gosta de tripas, concluiu.
Mas este milagre, de só com feijão e chouriço passarmos a ter um prato de dobrada, vamos encontrá-lo noutros restaurantes, a norte do Douro.
Assim, de forma bem mais simples e económica, no tempo de cozedura e em ingredientes, consegue-se apenas com feijão e gordura de porco, um prato de tripinhas, sem necessidade da pança ou bandulho, do barrete, do folhoso e do coagulador, do estômago dos bovinos.
Obviamente que é a partir das tripas à moda do Porto que este milagre se opera.
Mas verdade seja dita a receita portuense em que realmente predominam, e em grande quantidade, os feijões, e com quem a dobrada se mistura camuflada, presta-se mais a este tipo de artifício ilusionista do que por exemplo as tripas à moda Basca, à moda de Caen, ou de Lyon, ou de Florença, para não falar de outras terras.
Com estas receitas, em que os respectivos substratos, que acompanham a dobrada, estão longe de dominar, e onde aquela visualmente não morre, como acontece quando misturada com os feijões, seria mais complicado, mesmo em Portugal, retirar disfarçadamente a dita da confecção pois os pratos viriam muito vazios.
E assim temos o milagre de dispormos de um chazinho, sem necessidade de ir à China à Índia ou aos Açores comprar chá propriamente dito. Basta termos à mão um raminho de cidreira ou uma casca de limão.
E com um prato cheiinho de feijão nem precisamos do estômago do boi para termos dobrada, basta um bocadinho de chouriço, para dar sabor. As tripas…é o feijão!
PS. Estes milagres não desmereceriam estar no currículo de alguns políticos mais talentosos, que com toda a naturalidade e simplicidade, e olhos nos olhos, nos vendem gato por lebre.
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