segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

Visita a Israel







Israel, fundado em meados do século XX, é um dos Estados mais jovens, mas ao mesmo tempo é como se tivéssemos assistido ao fim de um longo interregno desde a Antiguidade, e que toda a riqueza da história e da cultura hebraica voltassem a ter uma pátria própria.

Torna-se uma viagem que nos marca, em termos de religião e história, ou não estivéssemos no berço da nossa civilização judaico-cristã e mesmo do islamismo e nos ajuda a perceber a realidade político e social dos nossos dias no que respeita ao convívio entre os povos locais.

A fundação deste pequeno Estado, contra todos os países árabes envolventes, sobretudo o Egipto, imensamente maiores, e contra a Inglaterra, com o seu Mandato colonial, que chegou a reter em campos de concentração milhares de judeus sobreviventes do Holocausto e que queriam emigrar para Israel, teve as suas origens, não só em termos de escolha histórica mas de resposta a séculos de perseguições e genocídio do povo judeu, em toda a Europa, ressalvando-se países como a Holanda, que realmente se destaca em termos de inteligência política e social neste campo, a Bulgária, a leste, onde o monarca se recusou a obedecer às ordens de Hitler de deportação daquele povo, e um ou outro país com um anti -semitismo mais mitigado.

Um historiador disse que a história deste povo na Europa, desde a idade média, se passou em 3 fases sucessivas: tens de te converter, tens que te ir embora, não podes existir.

                  Antes da invasão e da ocupação da Polónia pelos nazis, muita da população polaca com a conivência das autoridades quando não por iniciativa destas próprias, moviam perseguições aos judeus, a maioria residente em aldeias, com destruição ou ocupação de casas e apropriação de bens, e onde não faltavam sevícias, com frequência mortais, àquele povo, de forma cruel e de má-fé.

Durante a 2.ª Guerra, quando os Judeus de toda a Europa eram levados de comboio, em vagões de gado em condições dantescas inimagináveis, para os campos de concentração, muitos polacos, segundo um sobrevivente, cerca de 90%, ao longo da via-férrea, respondiam com ditos jocosos e gargalhadas, bem- humorados por finalmente alguém os livrar dos judeus, aos seus gritos lancinantes.

                  No fim da 2.ª Grande Guerra, numa localidade polaca, uma criança de cerca de 8 anos, teria dito aos pais, seguindo uma tradição de denúncias e queixas que já vinha da época medieval, que um grupo de Judeus, o teriam raptado. Tratava-se de um grupo de recém-libertados de um campo de concentração e que se encontravam refugiados numa casa comum, porque as suas próprias casas já tinham sido entretanto ocupadas e por quem não as iria devolver aos legítimos donos.

                  Como resultado da queixa foram chacinados pela população local, com o beneplácito da polícia e do exército.

                  Na Ucrânia, no fim da 1.ª Guerra Mundial, foram mortos 100.000 judeus e na Lituânia, após a ocupação pelos nazis, estes só tiveram que assistir, sem gastar munições ou recursos humanos, à matança dos judeus (80%) pela população local estando em voga o espancamento, até à morte, com barras de ferro.
                  
Em todos os países a leste da Alemanha, com grandes comunidades judaicas, sendo de longe as maiores as da Polónia e da Rússia, o panorama antes da invasão nazi (e mesmo depois) pautava-se, no geral por um anti-semitismo generalizado  e ciclíco, quer se tratassem de judeus pobres, a maioria, quer se tratassem de burgueses, quer fossem ortodoxos, quer fossem laicos e assimilados, e até se pode testemunhar, de forma abertamente anti cosmopolita e xenófoba, a existência de um anti-semitismo sem semitas.

Desde os violentos, maciços e destrutivos progroms russos, aos campos de concentração do III Reich e seus satélites, o destino da maioria dos judeus seria o seu extermínio.

Mesmo no último ano da guerra, quando esta já estava definitivamente perdida para as potências do eixo, na Hungria, gerou-se uma sanha de perseguição aos judeus sobreviventes, para abater o maior número possível, antes que Exército Vermelho entrasse no país.



Entretanto continuam a haver mitos, acusações fantasiosas, lendas maldosas e mentiras, factos estratégica e convenientemente desconhecidos ou deturpados, ou documentos e histórias forjadas, como o dos fantasmagóricos Protocolos dos Sábios de Sião, que vão sendo achas na grande fogueira de um permanente anti -semitismo, mas aos quais se deverão contrapor análises objectivas, racionais, realistas e de boa-fé.

Um bom exemplo dos argumentos fantasiosos e delirantes anti-semitas é que como dos Judeus nada poderia vir de criativo, os profetas bíblicos, o Rei David e o próprio Jesus Cristo longe de serem judeus só poderiam ser da raça germânica. Ideias como esta de um inglês, Houston Stewart  Chamberlain, genro de Richard Wagner e que viria a ser amigo e, salvo erro, mentor de Hitler, foram aclamadas na Alemanha.

Mas, há outos factores na génese do anti-semitismo como, e chamemos às coisas pelos nomes, a inveja, a cobiça, a ganância de quem via com bons olhos, na deportação em massa do Judeus, uma maneira de ficar com as suas casas e muitos dos seus haveres. Houve povoados ou bairros inteiros que mudaram, desta forma, de donos. E nunca mais foram devolvidos aos seus legítimos proprietários, mesmo quando os poucos sobreviventes dos campos queriam regressar às suas terras e aos seus bens. Era-lhes fechada a porta na cara com toda a violência, pelos ursupadores.

Ora desde há mais de 100 anos que começou a haver um retorno dos judeus aos territórios que constituíam a sua antiga nação. Assim começaram a instaurar-se, com a chegada dos primeiros colonos e depois com a implantação dos kibutzim, comunidades já mais evoluídas, os alicerces do que viria a ser a pátria renascida dos povos de Judá e de Israel e onde passaram a procurar refúgio, e uma nova vida, muitos, senão a maioria, dos hebreus sobreviventes à barbárie europeia.
 A importância da Civilização Judaica no Mundo é imensa.

A crença religiosa, a filosofia de vida e as regras sociais preconizadas, de um pequeno povo nómada, essencialmente de pastores, numa região em que o deserto domina, viriam a mudar por completo a poderosa sociedade romana que os tinha conquistado e posto fim à sua nação, e a moldar, nos séculos vindouros, toda a sociedade europeia. E, mais tarde, o Império Árabe, saído do Islamismo com origem, por seu turno, no Antigo Testamento fruto da nação Judaica, viria a tornar-se, juntamente com a civilização greco-romana, num dos pilares da nossa sociedade.

                  Na viagem à pátria terrena de Jesus Cristo, o Judeu mais famoso, mais que Einstein ou Steven Spielberg, outros judeus famosos, compreendemos melhor a história antiga e actual deste povo, que tem de conviver com a ultra ortodoxia suicidária de muitos dos seus e a jihad islâmica, sendo sobretudo esta, obviamente, a principal ameaça.

                  Mas voltando à nossa visita a Israel.

                  O nome Palestina é de origem latina, não árabe nem judaica, é criação de Roma para acabar com o estado de Judá (Judeia), após a revolta dos judeus contra a ocupação romana, e para os castigar e expropriar.

Nos nossos dias, na fortaleza mandada construir por Herodes, em Massada, junto ao Mar Morto, podemos observar os vestígios de uma nação inicialmente tolerada pelos ocupantes romanos, mas que, ao primeiro sinal de revolta dos judeus, acabaria por ser aniquilada.

Podemos ainda encontrar na importante e central história deste povo, Jericó como o primeiro castelo do mundo que no essencial nada difere dos castelos construídos posteriormente, e o complexo urbano de Jerusalém com o grandioso templo também mandado erigir pelo rei Herodes, que no seu reinado conseguiu viver em paz com os romanos.

                  Após muitos séculos, só se voltaria a falar na Palestina, já no século XX e muito convenientemente, por aqueles que se opunham ao retorno dos judeus àquele território.

                  Os habitantes da região chamada Palestina eram párias, estagnados desde há séculos no obscurantismo, na ignorância e nos meios mais rudimentares de sobrevivência, perseguidos pelos países vizinhos que não os aceitavam (na Síria foram mortos aos milhares), até que começaram a chegar as primeiras vagas de judeus, tendo finalmente sido constituído o estado de Israel, em 1948. A partir deste período todos se começaram a preocupar com os ditos palestinos.

            Para ilustrar esta má- fé dos países árabes vizinhos Israel teria em determinada altura oferecido a faixa de Gaza ao Egipto, mas tal era a miséria, e, provavelmente, com a promessa de um acréscimo tão grande de problemas, que os egípcios teriam recusado.

De qualquer modo assumindo então a administração desse território, os israelitas criaram para os habitantes de Gaza hospitais e escolas (donde são lançados mísseis para os povoamentos judaicos), postos de trabalho, saneamento.

 Se o Egipto não tomou conta das populações de Gaza, em termos de desenvolvimento económico e social, enviou-lhes Yasser Arafat, que era egípcio aliás, como egípcios eram os pilotos suicidas do 11 de Setembro, para as sublevar contra os que realmente lhes estavam a criar e a dar infra-estruturas na saúde, no ensino e na economia.

                  Aliás o ressentimento árabe em relação aos judeus já vem de uma época anterior à criação do Estado de Israel, desde que, em finais do século XIX, os primeiros colonos começaram a aproveitar os terrenos comprados na Palestina, com uma eficiência e produtividade, em termos agrícolas, estranhas às populações árabes vizinhas.

                  Israel constitui cerca de 0,03% de todo o território do próximo oriente, sendo a maior parte deserto. Contudo os trabalhadores árabes, locais e de outros países, fazem bicha para ir trabalhar em Israel, nos diferentes sectores da indústria, turismo, serviços e comércio, que os israelitas criaram. Não vão para a Síria, para o Egipto, nem para a Jordânia ou para a Turquia, países com um território imensamente superior. Mesmo sujeitos a viver em urbanizações, separados por muros e arame farpado da tentação terrorista-suicidária.

Trata-se, para o turista, de um país seguro civilizado, organizado e acolhedor, onde para além da Cultura e História oferece uma gastronomia verdadeiramente mediterrânica e muito variada, e que nos deixa uma marca indelével de simpatia por aquele povo que persiste em afirmar a cultura da democracia, do trabalho e do progresso contra todo obscurantismo, europeu e, mais recentemente, árabe, que sempre o perseguiu.

Bibliografia
Martin  Gilbert, Israel, 1998, edições 70 Abril de 2009.
Trond Berg Eriksen, Hakon Haket, Einhart Lorenz, História do Anti-Semitismo, 2009, Edições 70  2010
Mucznic, Esther, Portugueses no Holocausto, Esfera dos Livros, 2012.
Wilson A.N., A Filha de Hitler, Bertrand Editora, 2008.


Filmografia
Lanzmann, Claude, Shoa 1985 Divisa 2011











sábado, 28 de janeiro de 2012

Tríptico Nacional : dois ministros e um picheleiro


Tríptico Nacional


“Oh mundo atroz, com minha besta abati o albatroz”
(Pato Donald) 




No Porto, em amena cavaqueira, em tom coloquial, enquanto ia desempenhando as suas tarefas, se bem que com interrupções e pausas para a conversa bem mais longas que o tempo dispendido nessas tarefas, o senhor picheleiro lá ia discorrendo sobre o seu passatempo, a pesca e, por acréscimo, sobre o pescado, sobre o dia-a-dia, sobre a emigração, sobre a corrupção, sobre a situação no país. A páginas tantas lamenta-se por haver tanto prejuízo na gestão dos hospitais, pelos grandes desperdícios e pelo material que desaparece.


-Você está a ver esta caixa de luvas, hospitalar, que eu trago para o trabalho, pois não gosto de trabalhar sem luvas, é a minha mulher que é empregada, no hospital tal, que mas traz. Nos primeiros anos, quando começou a trabalhar, ainda tinha escrúpulos ou nem pensava nisso, mas como via que todas as colegas levavam para casa luvas e outas utilidades (e decerto algumas inutilidades só pelo prazer de as levar) também passou a fazê-lo. E ainda bem para mim.


E como corolário do conjunto das suas análises e constatações:


-É o sistema, sabe…


A outro nível, pois estamos já a falar no senhor primeiro-ministro Passos Coelho, mas contribuindo também para este panorama, bem na tradição milenar contida nas palavras avisadas de um governador romano, do que era na altura a Lusitânia, que caracterizava os lusos de então, e pelos vistos de sempre, como gentes que não se governam nem se deixam governar, pois o nosso primeiro ministro propõe e preconiza o recurso à emigração para os jovens professores desempregados já que a sua política vai levar a um aumento do desemprego e ao empobrecimento do país.


E para completar este meu tríptico vem outro ministro o senhor ministro da economia, Álvaro de seu nome, pedir ao pastel de Belém para salvar o país, para seguir a estratégia expansionista do Mac Donald’s e se internacionalizar, chamando ainda, como exemplo, a atenção para o sucesso nacional do frango do churrasco trazido de África. Assim o pastel de Belém inspirado na popularidade nacional do frango de churrasco africano pode tornar-se o nosso Mac Donald’s das grandes metrópoles do mundo, contribuindo para a salvação da economia portuguesa, que bem precisa.


Não percebo porque é que ao terem ouvido falar desta sugestão ministerial as pessoas com quem a comentei pensavam tratar-se de uma anedota inventada. Até teve direito à tribuna da televisão.


E, na prática, cá vamos vivendo com as nossas tradições populares de cidadania e espírito cívico, tão bem conhecidas, governados por “sociais-democratas”, inscritos no clube dos partidos liberais, e por socialistas, da 3.ª via, inscritos no clube das sociais- democracias,
no país com mais desigualdades da Europa, Bruxelas dixit relativamente à distribuição dos sacrifícios impostos.

Que a Justiça te caia em casa!



Civismo

Certo dia houve uma voz interior que me disse: civismo não é servilismo, não te vão cair os parentes na lama, não vais perder a face por ser delicado, de algum modo, de alguma forma, prestável de maneira altruísta ou desinteressada. 
Quando não há civismo, quando não há espírito de cidadania, toda a gente acaba por ser mais prejudicada que beneficiada. 
Mas quem assim fala ou é estrangeiro ou um português desviante do acordo tácito já há muito estabelecido e enraizado entre nós.

O embaraço de ser cívico
Bem nos podem vir com a cantiga que não tenha medo em ser cívico, não perde a face nem lhe caem os parentes na lama. Claro que tenho medo. Claro que me caem os parentes na lama.
Um gesto de simpatia, de cidadania, de altruísmo, ou gentileza pode-se tornar muito embaraçante, muito humilhante para o próprio e causar embaraço, desconforto e estranheza nos outros portugueses. Uma pessoa até se sente mal.
Além de que fragiliza a nossa identidade nacional muito própria.
E se, por outro lado, chamarmos a atenção a algum compatriota porque ele deitou lixo para a rua, não só nos deita um olhar de desafio como ainda ouvimos das boas.

O embaraço, o desconforto de cumprir direitinho  as regras de trânsito.
Num jantar bem regado com um bom vinho do Douro, que ajuda a abrir a alma, alguém me confidenciou que o seu medo de se pôr a circular, em viatura automóvel, a não mais de 50 Km/h, impostos nas localidades pelos limites de velocidade, era o de cair no ridículo perante os que vinham atrás, uma pressão social psicológica como uma espada de Dâmocles, de automobilistas desconhecidos mas certamente cheios de escárnio e desprezo, talvez com gestos da mão livre apropriados e conhecidos. Como já tinha sido multado, por duas vezes, para ele de forma muito injusta claro, não quer correr o risco de nova multa. Só que é muito embaraçante, muito confrangedor.

O orgulho dos potenciais kamikaze
Pelo contrário com que orgulho se descreve uma viagem - relâmpago, com velocidades a rondar os 180Km e mais, quando as estradas o permitem, ou recorrendo a perícias de rali em estradas de montanha. Mas com a preocupação prévia de saber que embora as probabilidades de matar e morrer na estrada estejam, com este tipo de condução, um bocadinho aumentadas  ainda assim ficam francamente longe dos 100%.
Códigos da cultura vigente, em que nos sentimos constrangidos e embaraçados quando optamos pelo respeito integral das normas de segurança nas estradas, pois o que vão as outras entidades carro-homem pensar de nós? 
Uma forma de opinião pública, sem rosto, da população carro-homem. 
E num panorama geral emergente de contenção de despesas supérfulas  e mesmo nas de primeira necessidade, que maravilha essa petite folie de subir o consumo de gasolina 30% a 60% ou mais mas  desfrutando da adrenalina, das altas velocidades.

Entidades carro-homem
A partir do momento em que nos sentamos ao volante de um carro passamos a ser uma entidade homem-carro ou carro-homem que na estrada se cruza com outras entidades carro-homem, que se relacionam, a maior parte das vezes sem vermos o rosto da componente humana (como nos filmes da Pixar) nem muito menos a conhecermos, nem antes, nem durante nem depois , com códigos tácitos que envolvem, nos contactos visuais, identificação pela marca, pela cilindrada pelo comportamento, de tartaruga ou de anjinho ou de quem quer medir forças, com sinais exteriores de competição, sobretudo em termos de velocidade, de demonstrar o seu poder, perante os outras  entidades carro-homem.

                                                                                                       O automobilista veterano
Códigos tácitos que envolvem também sinais e atitudes de condução descontraída e veteranismo que em Portugal significam não usar o “pisca-pisca” em ultrapassagens e sobretudo no retorno à direita, aqui com movimentos de cauda de peixe e apertadas tangentes, ou também pressionando o carro da frente com uma aproximação intimidante, quando este está a ultrapassar, a menos de 140Km /h, um camião tir, com reforço de sinais de faróis para que essa tartaruga assim acossada se afaste, embora não adiante muito porque o perseguido primeiro tem de completar a ultrapassagem, senão só se fosse de encontro ao camião.
Atitudes de veteranismo automobilístico quer com a invasão descomplexada e descontraída de zebrados, quer com ultrapassagens pela direita e condução de gincana na auto-estrada quer com o gozo de fazer “pisca-pisca” quando não é necessário, por exemplo a seguir uma seta de mudança de sentido obrigatória, e de não o fazer quando o é, rotundas, cruzamentos etc..
Temos ainda o jogo das rotundas que consta de o automobilista veterano contornar as ditas com o pisca sempre ligado para a esquerda, o que é sinal de grande experiência e não fazer qualquer sinal com o pisca da direita quando vai sair para ver se os conductores que estão à espera para entrar acertam em qual vai ser a saída escolhida.
 E, claro, o braço displicentemente de fora e os sempre vistosos faróis de nevoeiro mesmo à luz de um sol radioso.

O peão à altura do automobilista veterano.
A  aparente falta de disciplina dos peões, no recurso às passadeiras, obrigando de forma gratuita e egoísta a um maior consumo de combustível e a um maior desgaste mecânico, pode ser visto tb. como um jogo de adivinhas e surpresas do tipo: será que aquele transeunte que vem pelo passeio junto à passadeira, irá inflectir o rumo bruscamente, sem olhar, e entra no zebrado obrigando a travagens bruscas? Será que não vindo mais carro nenhum atrás o transeunte em vez de esperar que passe o carro solitário o vai obrigar a parar? Será que as sucessivas vagas de transeuntes vão esperar para atravessarem em grupos ou vão preferir a travessia individualista em fila indiana ou a conta-gotas?

As leis foram feitas para se contornarem, ou qualquer coisa parecida, ditado popular ou qualquer coisa do género.
A transgressão é-nos necessária como comunidade para andarmos com o amor-próprio em dia, perante nós mesmos e outros. Como um código de “honra” da Calábria.
Que a justiça te entre em casa: Quando em Portugal se queria desejar mal a alguém lançava-se-lhe aquela maldição. 
Uma das mais terríveis maldições que se podiam lançar ao comum dos Portugueses pois era raro o que não teria algum atropelo à lei a pesar-lhe nos recônditos da consciência.
Mas nem seria um Português normal se assim não fosse.
E este espírito, esta cumplicidade da nossa quotidiana e mais ou menos inocente aceitação da subversão ao que está legislado, mantém-se bem vivo.
Com que orgulho se dá notícia, como se conseguiu fugir aos impostos e ainda receber dinheiro do fisco, perante uma assembleia de familiares, amigos, ou conhecidos, fascinada com tal talento e manifestando a sua mais profunda admiração, simpatia, e encorajamento.
Censurar alguém porque defraudou o estado (ou seja a colectividade) ou pôs em risco de vida, com uma condução ousada, não só o próprio como toda a gente com quem se cruzava, seria motivo de muito espanto por quem nos ouvisse. Pelo contrário devemos brindá-lo com palavras de compreensão senão mesmo de incentivo.
E chamar a atenção para um condutor que estacionou, num parque, a ocupar dois lugares, deixa-nos, como portugueses, com a sensação incómoda de não estarmos em sintonia com os códigos aceites e ainda ficamos sujeitos, e com toda a razão diga-se de passagem, a sermos brindados com meia dúzia de palavrões.
Quando nos perguntam quer uma facturinha e uma pessoa um pouco a medo disser que sim, é que é para o Estado sabe, isso pode gerar constrangimento de parte a parte; será que vai levar mais dinheiro da próxima vez, será que ficou triste e aborrecido?
Acabamos por ser mais compreensivos, mais tolerantes com as infracções do dia-a-dia do que com quem exige de si próprio e nos exige um cumprimento das normas de boa cidadania.

A outra faceta do dia-a-dia em Portugal
Como para compensar esta má consciência de nós como povo desleixado há quem admiravelmente se supere, talvez com alguma falta de bom senso, como é o caso das directivas da ASAE com agentes, armados de metralhadoras, à procura da infracção gravíssima das colheres de pau, ou do porteiro do Hospital de Faro que proibiu a entrada ao primeiro- ministro Cavaco Silva por este não se ter identificado, ou da proibição de fotografar os azulejos da estação de S. Bento o que deixa os turistas perplexos e desconsolados, ou de quem manda dar ordem de prisão a um Vale Azevedo um minuto depois de ter sido liberto, já de malas na mão, fato e gravata, a encaminhar-se para o carro que o levaria para casa onde era aguardado em ambiente festivo e isto não lembraria nem ao Kafka. E, claro, os nossos campeões mundiais da burocracia, rotinados e imbatíveis em serem mais papistas que o Papa.

Defraudando o bem comum
Um comportamento, como cidadãos, pautado pelo egocentrismo, egoísmo, individualismo, pela casmurrice, num dia a dia pouco hospitaleiro e acolhedor, feito de extremos, mas com a liberdade de não nos pesar muito na consciência as subtracções ao erário público, os milhões de Euros que nos vão custando os destemperos e a desorganização rodoviários, o relaxamento com que vamos evitando a necessidade colectiva de gestos de civilidade no nosso dia-a-dia.

Bem à portuguesa
Há uns anos, num conhecido café de Lamego, o empregado entornou uma chávena de café em cima do casaco de um meu amigo. Seria de esperar, visto que a culpa foi toda do empregado, que este se prontificasse a pedir muitas desculpas e a minorar os estragos, e caberia ao dono do café, que assistiu a tudo, vir de imediato acudir ao cliente. Ora quanto ao primeiro, olhou desconfiado e sentido como a culpar o ofendido, e sem esboçar o mais pequeno gesto aguardou os acontecimentos à defesa, quanto ao segundo, ficou a observar, também imóvel , de expressão concentrada, pronto a rechaçar qualquer investida verbal do lesado a exigir reparação dos danos. Teve o meu amigo, advogado experiente, de se levantar e ir ao balcão pedir um trapo para ir aos sanitários tentar limpar o casaco. Só lhe faltou pedir desculpa por todo o incómodo. Isto já se passou há uns aninhos mas o espírito actual, no geral, continua a ser o mesmo.

sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

Quando talher, em francês, passa a ser pasta de sardinha, em português.


Há uma originalidade nas ementas de muitos restaurantes portugueses, comparativamente ao que se vê nas ementas de restaurantes de outros países, que é o do recurso a um termo francês, para iniciar as ditas, termo que significa talher.

Senhor turista ao ler couvert na ementa, não se assuste, não é pelo talher que vai pagar, é pelos pacotinhos de manteiga (quase ao preço do fois gras), pelas azeitonas, pelo pãozinho (da véspera) torrado e pela pasta de sardinha industrial, apresentados com um nome pretensamente requintado, ou que, por cá, soa a tal, por ser francês. Como se designando um pacotinho de manteiga por couvert este passasse a ser caviar.

Mas couvert soa bem, soa a fino, e pode ajudar a atenuar o impacto na conta dos preços, muitas vezes exagerados, para o que é oferecido.


Ao fim e ao cabo o que querem dizer com couvert é, e, já agora, utilizando o francês, hors d’oeuvres, e, em português, entradinhas, acepipes, aperitivos, petiscos de entrada. 

Há muitos termos nacionais e estrangeiros adequados e correctos, por onde escolher, mediante os gostos e pretensões, sendo ridículo e denunciando superficialidade, falta de cultura, de rigor, de bom gosto e de profissionalismo o uso daquele nome. 

Ao contrário de menu, que em Francês corresponde mesmo a ementa, couvert  tem uma etimologia distinta da que nos querem fazer crer, nesses restaurantes. A única coisa em comum que tem com hors d’oeuvres é o de serem das primeiras coisas que podemos encontrar numa mesa posta.

Mas os  couverts, que são talheres no país (e na etimologia) de origem, servem , para comer os  hors d’oeuvres, les entrées, la pièce de resistance e les desserts. Não servem  é para serem comidos, seriam algo indigestos.

PS  Não é a 1ª vez que, em Portugal, se altera o significado de uma palavra dando-lhe outro significado, como foi o caso do termo esquisito, que entre nós quer dizer estranho, num sentido pejorativo e que nos seus congéneres (derivados do latim exquisitus) exquisito (espanhol), squisito (italiano), exquis (francês) exquisite (inglês) exquis e exquisiet (holandês), exquisit (alemão) traduz requinte, beleza, delicadeza, refinamento, excelência, perfeição, primor. 


Pelo menos, neste caso, o termo foi aportuguesado, talvez por alguém a quem lhe fazia muita confusão e estranhava o requinte, no nosso país.

quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

O milagre português da casca de limão.



Como Jesus Cristo transformou a água em vinho, alguém em Portugal, um ilustre desconhecido, ao fazer uma infusão de casca de limão teve a ideia de lhe chamar chá, ideia que encontrou, no nosso país, terreno fértil para se disseminar e popularizar. 




E assim, com uma simples casca daquele citrino, passámos a ter todo o “chá” que quiséssemos, e sem necessidade de recorrer à plantinha chamada chá.

O milagre estendeu-se depois à cidreira, à camomila, ao funcho.
Ou terá este hábito começado com a cidreira? Bem, na prática vai dar ao mesmo.

Com muito menos influência popular, mas não menos notável, é o milagre das tripas.

Um dia, no decurso de uma viagem até ao Porto, decidimos parar num restaurante da serra, antes de Amarante, para almoçarmos. 

Na ementa anunciava-se, entre outros pratos, tripas à portuguesa. 

Interessado em conhecer os ingredientes, e em que é que diferiam dos das tripas à moda do Porto, perguntei à jovem empregada, que nos atendeu, o que levava o prato além das ditas.  

Sem pestanejar, sorridente e feliz, na superficialidade e simplicidade da resposta, esclareceu de imediato que não levava tripas. “As tripas é o feijão”, são tripas sem tripas. É bom, para quem não gosta de tripas, concluiu. 

Mas este milagre, de só com feijão e chouriço passarmos a ter um prato de dobrada, vamos encontrá-lo noutros restaurantes, a norte do Douro. 

Assim, de forma bem mais simples e económica, no tempo de cozedura e em ingredientes, consegue-se apenas com feijão e gordura de porco, um prato de tripinhas, sem necessidade da pança ou bandulho, do barrete, do folhoso e do coagulador, do estômago dos bovinos. 


Obviamente que é a partir das tripas à moda do Porto que este milagre se opera. 

Mas verdade seja dita a receita portuense em que realmente predominam, e em grande quantidade, os feijões, e com quem a dobrada se mistura camuflada, presta-se mais a este tipo de artifício ilusionista do que por exemplo as tripas à moda Basca, à moda de Caen, ou de Lyon, ou de Florença, para não falar de outras terras. 

Com estas receitas, em que os respectivos substratos, que acompanham a dobrada, estão longe de dominar, e onde aquela visualmente não morre, como acontece quando misturada com os feijões, seria mais complicado, mesmo em Portugal, retirar disfarçadamente a dita da confecção pois os pratos viriam muito vazios.  

E assim temos o milagre de dispormos de um chazinho, sem necessidade de ir à China à Índia ou aos Açores comprar chá propriamente dito. Basta termos à mão um raminho de cidreira ou uma casca de limão. 

E com um prato cheiinho de feijão nem precisamos do estômago do boi para termos dobrada, basta um bocadinho de chouriço, para dar sabor. As tripas…é o feijão!




PS. Estes milagres não desmereceriam estar no currículo de alguns políticos mais talentosos, que com toda a naturalidade e simplicidade, e olhos nos olhos, nos vendem gato por lebre.