sábado, 4 de fevereiro de 2012

Ora vamos lá a ver...



Na vida de um português trabalhador assalariado cerca de 60% do que ganha, durante décadas, vai para o Estado, e, pelo menos no caso dos funcionários públicos, a fatia maior desses 60% nem a chega a ver, fica logo retida na fonte.

Por seu turno a habitação obtida com crédito bancário acaba por ficar a um custo muitíssimo maior que o seu valor inicial.

E querem agora, mais ou menos subliminarmente, os políticos ditos liberais e, recentemente, os grupos e agências da alta finança, fazerem-nos sentir culpados, por grandes gastadores que somos. Pois não sabemos fazer contas à vida e andamos a consumir para além das reais possibilidades individuais e do país.

Temos assim de estar atentos não só à nossa própria economia doméstica como aos eventuais trambolhões nacionais.

Mas a quem entregamos diretamente a fatia maior do que ganhamos, aos do governo e dos bancos e finanças, por pior que seja a sua gestão, por maior que seja o desnorte, acabam sempre por se descartarem de qualquer culpa ou responsabilidade, salvaguardando-se e aos seus interesses, até com recompensas em novos cargos, indeminizações Kafkianas, juros acrescidos e reformas acumuladas e milionárias.

Como se regressássemos a uma nova forma de feudalismo mas agora politico-bancário.

Não nos podemos esquecer do contributo do cidadão português médio no seu dia-a-dia, para o descalabro nas finanças e na economia, ou seja economia paralela, falcatrueiros que se aproveitam da boa -fé do rendimento mínimo e outros gabirus do mesmo estilo, consumismo desproporcionado, comportamento egocêntrico e individualista, laxismo, falta de civismo e de cidadania, custos astronómicos com o primado do transporte individual, imensamente agravado com os acidentes, sobre os transportes públicos. Mas é sem dúvida, e também sem parecer libertar-se daquelas características populares portuguesas, o complexo burocrático político-bancário o responsável maior pelos maus resultados, pelas oportunidades perdidas com a adesão ao Euro. Até porque se tratam de políticos que assumiram a responsabilidade de nos levar a bom porto. Mas em caso de crise dispõem de grandes iates salva-vidas e o comum dos contribuintes disputa o lugar nos botes apinhados ou é bom que seja bom nadador e com grandes reservas calóricas.

Num país onde a economia paralela tem um peso de cerca de 30% do total da nossa economia, onde provavelmente os grandes especialistas de direito fiscal e responsáveis da correspondente legislação ajudam as grandes empresas a contornar essas leis, é justamente a quem tem assegurado o grosso das receitas fiscais, a classe média no geral e o funcionário público (FP) em particular, que lhe são impostos cortes substanciais no seu salário e na sua reforma, de forma imoral senão ilegal, para ajudar os ministérios da finanças e da economia a atenuar o seu desgoverno ou o mau governo, desde a entrada do país na União Europeia.



Opção claramente ideológica


E criam um fosso entre o Funcionalismo Público e a Iniciativa Privada, com cortes de salário significativos na Função Pública, fazendo-a sentir culpada, acusando-a de privilégios quando a opção profissional pelo sector público ou pelo sector privado é livre e ambos estão sujeitos a regras de acesso, e a uma legislação que em termos de protecção e estabilidade do emprego, nos actuais moldes, pouco ou nada difere, senão veja-se o caso dos professores, havendo contudo melhores vencimentos no privado, nos cargos médios e nos mais diferenciados.

Mas para os que interiorizam que o FP faz parte de uma raça de privilegiados, e que é justo que se lhes vão cortando os salários, cortes que se encaminham para os 25% / ano, e que é de boa política ir reduzindo o peso do Estado deviam ter em conta alguns aspectos.

Quem recorre aos serviços médicos do ainda Serviço Nacional de Saúde, quem tem os seus filhos a estudar no Ensino Público, deveria pensar que quanto mais o Estado se for desvinculando destes monstros (para usar a terminologia do nosso actual 1.ª ministro) maiores serão os encargos que de futuro vai ter que suportar, ou maiores as probabilidades de não o poder fazer.

Por outro lado o comerciante, o industrial, o empresário devem-se lembrar que a classe média é inegavelmente a principal, senão a absoluta garante da paz possível, da coesão social e do desenvolvimento económico e que quanto mais se fragilizar o funcionalismo público sob o aspecto sócio- económico, mais se fragiliza aquela classe.




Mesmo quem defende um sistema liberal deve ter, certamente, em linha de conta este aspecto.

Mas têm-se visto é políticos, e de partidos frequentados por fans, em privado, dos paraísos fiscais, que defendem o liberalismo e que só são liberais (se bem que de direita conservadora) em se irem livrando das responsabilidades de um estado social, porque em impostos, pelo menos para quem os paga, já são sociais-democratas.

O subsídio de Natal foi instituído em 1973 pelo Dr. Marcelo Caetano e o 13.º mês no pós- 25 de Abril pelo general Vasco Gonçalves com o fim de atenuar as enormes diferenças em vencimentos entre Portugal e a média dos países europeus mais próximos. E mesmo assim, hoje em dia, os nossos 14 meses de salário, correspondem somente a 1/3 ou mesmo a ¼ do total salarial dos 12 meses da maioria dos países da Europa Ocidental.

Por outras palavras 12 meses de salário anual em países como a Holanda equivalem a cerca de 36 meses de salário em Portugal.

Até a Grécia e a Irlanda, nossos companheiros neste ostracismo económico-social tem salários bem mais elevados.

Aqueles subsídios não são nenhuma benesse extraordinária. Fazem parte do vencimento e contribuem minimamente para diminuir o fosso entre Portugal e aqueles países.

Ao fim de décadas de governos ditos sociais-democratas (mas inscritos no clube dos partidos liberais) e de governos socialistas, ditos do socialismo democrático, Portugal é o país europeu, com maiores desigualdades económicas e aquele em que em que os sacrifícios pedidos em nome da austeridade recaem mais sobre quem menos tem, como foi recentemente descoberto e divulgado por Bruxelas.




Mas e a Europa? O regresso à velha e boa História?

O convívio entre os povos na Europa, entre nações e impérios, foi sempre feito, em escalas diferentes, desde os primórdios da nossa civilização, a ferro e a fogo. Os acordos ou as imposições a que se chegavam entre países, nações e etnias, dominadores e subjugados, atacantes e resistentes, eram estabelecidos através das armas.

Desde o fim da 2.ª Guerra Mundial e sobretudo desde a formação da União Europeia e da moeda única que vivemos um período de paz absolutamente atípico na Europa.

Mas parece que este estranho interregno, está a chegar ao fim. Iremos provavelmente voltar ao velho e habitual rumo dos países e das nações em que as voltas e as reviravoltas da história na Europa se continuaram a fazer sob o signo dos nacionalismos mais ou menos aguerridos e de xenofobia auto alimentada. Em que os países nascem e se afirmam pela exclusão dos outros.

Se voltarmos, neste pequeno continente retalhado que mais parece uma península do vasto continente asiático (como nos era ensinado na escola), aos processos sociais político-militares, desde o Império Romano, e da Antiguidade, ao fim da 2.ª Grande Guerra, é natural que o resto do mundo nos olhe com alguma perplexidade, atendendo à escala e à mesquinhez e irracionalidade de disputas liliputianas.
Há quem diga que na Europa há políticos (de viveiro, burocraticamente standartizados) a mais e estadistas a menos, estadistas de grande envergadura, capazes de alcançar o impossível como foi o caso de uma Europa sem fronteiras e sem guerras e agora com uma moeda única.

De qualquer forma se a União Europeia não avançar para uma forma de federalismo, pelo menos para um governo económico, com uma política fiscal (e social) comum, entraremos muito provavelmente num processo de desagregação, num retrocesso civilizacional com cenários inimagináveis de colapso do mundo que conhecemos nas últimas décadas.




3 comentários:

  1. Parabéns pelo brilhante artigo.
    Irei encaminhar o artigo para os meus contactos. Parabéns.
    André.

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  2. Sublime!
    Não posso deixar de agradecer ao Dr. André a sugestão de leitura.

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  3. Parabéns pelo blog.

    Concordo na generalidade, mas não subscrevo que os Funcionários Públicos, em particular, assegurem o grosso das receitas fiscais. Repare que os impostos que cada funcionário público paga ao Estado não chega (e ainda bem que assim é) para pagar o seu próprio vencimento. Ordenado este que recebe do Estado. De algum lado tem de vir o dinheiro para pagar os salários dos funcionários públicos, que não é suportado pelos seus próprios impostos e para pagar todas as outra despesas do Estado.

    Fique claro que entendo que é fundamental e é justo que haja funcionários públicos, para garantir igualdade de acesso, pelo menos em termos teóricos, à justiça, à educação, à saúde, a segurança, as vias de comunicação, apenas para dar alguns exemplos. Mas é claro que são os privados e as suas empresas que sustentam o Estado.

    Uma outra nota, desta vez em relação aos salários, Os salários em Portugal são realmente inferiores aos praticados na maioria dos países europeus. Era bom que houvesse uma convergência neste aspecto, mas tal só será possível se melhorarmos a nossa produtividade quer no sector público quer no sector privado.

    É fácil entender que uma empresa não pode pagar mais em ordenados do que recebe pelos trabalhos que presta. O facto é que em Portugal, graças, principalmente à má gestão produzimos pouco, isso não significa que trabalhamos pouco.

    Para se perceber porque trabalhamos muito e não produzimos veja-se o que se passou, por exemplo, com as obras na Av. 5 de Outubro, em Lamego. No caso era uma obra pública mas o tipo de planeamento e de gestão é similar ao que pode ser encontrado em muitas empresas privadas.

    Começaram por retirar o alcatrão para fazer os trabalhos que se haviam proposto. As obras, como é habitual no nosso país, nunca estão prontas nos prazos previstos e quando chegou a altura da Festa dos Remédios resolveram interromper as obras e alcatroar a dita avenida. Depois da Festa, retiraram o alcatrão para reiniciar os trabalhos. Quando terminaram, voltaram a colocar alcatrão que foi logo a seguir retirado para colocar o gás natural sendo a via alcatroada em seguida. Dias depois veio a televisão por cabo que voltou a retirar o alcatrão para colocar os cabos e recolocou-o em seguida. Depois de recolocado o alcatrão descobriram um problema em frente ao Café Almedina e, lá voltaram a retirar o alcatrão para resolver o problema e repavimentar a seguir.

    Não se pode dizer que os trabalhadores não trabalharam mas, fruto da má gestão e da falta de planeamento para "produzirem uma rua" tiveram de a alcatroar uma serie de vezes mais que num país onde as obras são bem planeadas.

    Neste caso, como disse, era uma obra pública, no privado há esta mesma ineficiência. a diferença é que competem com outras empresas e para conseguirem vender os seus produtos a um preço similar ao de outras empresas têm de pagar salários menores. Infelizmente, mesmo pagando baixos salários muitas das nossas empresas não consegue colocar no mercado produtos com uma relação preço/qualidade melhor ou pelo menos igual à concorrência e acaba por falir gerando a enorme quantidade de desempregados que afecta hoje o país.

    Estamos então condenados a ter baixos salários? Não! Felizmente estão a nascer e a reconverter-se, em Portugal, muitas empresas geridas, e que por isso, não só estão a sobreviver à crise como se estão a expandir. É o caso da industria do software nacional e espantosamente o caso da industria têxtil e de casado que têm vindo a aumentar significativamente as suas exportações.

    Desculpe ter-me alongado.

    Rui Taborda

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