segunda-feira, 7 de outubro de 2013

De como as gentes do Norte estão a deixar de dizer para- médico para dizer párá-médico (e, o médico, até parou).



E da supremacia dos alfacinhas em afirmar e impor a sua gíria e a sua pronúncia, via TV, ao resto do país.

Se, no Sul, as pessoas escrevessem as palavras, no computador como as pronunciam, mais de metade dessas palavras apareceria, com o sublinhado vermelho de erro.



No Norte, por seu turno, onde podemos ouvir a tão satirizada “pronúncia do Norte” (mas celebrizada pelo Rui Reininho e os GNR), que aliás diz mais respeito ao Douro Litoral, Minho e arredores, onde nos aproximamos mais do Galaico-Português, usada, com frequência, nos programas de humor alfacinha como caricatura de ruralidade e atraso, mas, também aqui, escrevendo como pronunciam, provocariam muitos tracinhos vermelhos (talvez não tantos).

Contudo, o Sul, tem uma enorme vantagem para impor, a nível nacional, o(s) seu(s) sotaque(s), a sua gíria, o seu calão: a televisão.

Há aqui sem dúvida uma grande desigualdade, uma desproporção de forças, basta Lisboa ter nas mãos os mais poderosos meios de comunicação audiovisual, para além das mais importantes e ouvidas estações de rádio.

100% ou quase, de locutores, comentadores, apresentadores, meteorologistas, artistas e actores (bem como de tradutores), são de Lisboa ou do Sul, ou vivem, na capital, os anos suficientes para se renderem ao dialecto índigena, e lá  vem os sódóeste e os nóróéste, para além da substituição insidiosa de palavras e expressões, mesmo do calão.

Há palavras que, misteriosamente, desapareceram do léxico da radiodifusão e há outras que passaram a ter um significado diferente, senão mesmo o seu oposto, mas que se estão a impor, palavras, de uma espécie de novo escritismo (novo riquismo da escrita?) e de calão, sulistas, e quase que se torna urgente um (re)acordo ortográfico para consumo interno.






Gravoso soa mais pomposo que grave.

Por exemplo, desde há anos que parece existir um acordo tácito, verdadeiramente silencioso, onde a palavra grave desapareceu do léxico das televisões e rádios, quer sejam jornalistas quer sejam convidados e entrevistados, agora, invariavelmente, substituído por gravoso.

É que soa com mais pompa, disse-me uma professora de português.

Falei-lhe, a essa professora, também, em como, na mesma televisão, só se usa a expressão “tragédia humanitária”, para maremotos, terramotos, refugiados de guerra, e afins, em que os dois termos se anulam. Pareceu reflectir, assimilar e lá anuíu.

Mas logo a seguir fala-me em dia solarengo…

Se humanitária será em benefício da humanidade como é que uma tragédia pode vir em benefício do ser humano. Só se for uma epidemia em massa que alivie o ministro das finanças de muitas reformas e pensões.

Quanto a solarengo, será um termo relativo a solares ou casas solarengas, distinto de soalheiro.




O climático (referente a clima), contudo, vai resistindo tenazmente e milagrosamente, aos assédios do já mais rebuscado climatérico (relativo ao período na vida de uma senhora em que pode ter bebés).

Já o adjectivo encarregado foi completamente eclipsado pelo, mais executivo, encarregue, embora, na esmagadora maioria das situações em que este verbo (3.ª pessoa do singular), se emprega, o correcto seria o uso do adjectivo encarregado.

Mas vejam-se duas frases, em que a primeira, representará, no recurso a este novo léxico, a única forma possível, na actualidade, a nível da televisão ou da rádio, de transmitir o conteúdo da segunda frase:

A peça televisiva obtida, nomeadamente, neste contexto climatérico gravoso, por quem estava encarregue de seguir, nomeadamente, uma eventual tragédia humanitária.

A reportagem televisiva, neste contexto climático grave, por quem estava encarregado de seguir uma eventual tragédia humana.

Talvez, com sorte, sem os nomeadamente, e com o (mais) correcto climático.

Tomar banho numa sanita?

Deve fazer confusão a um turista estrangeiro quando lhe indicam a “casa de banho”, e se vê, não numa casa, mas num quartinho, com uma sanita ou um urinol, que servem para defecar, para urinar, mas não, certamente, para tomar banho.

Casa de banho, como se tornou num termo atractivo (pelo menos no Norte, onde não estava enraizado), por representar uma certa imprecisão de conceito, um certo gosto português em conduzir displicentemente pelo zebrado.

Um certo dia, na Azambujeira do mar, estávamos a falar com outro veraneante, sobre as casas que tínhamos alugado, naquela povoação, quando o meu interlocutor (do sul) me pergunta, quantas casas é que eu tinha? Perante o meu ar perplexo e confuso, impaciente, e em desespero de causa, esclarece: quartos, homem, quartos!

Se no Norte ainda não pegou moda casa de jantar em vez de sala de jantar, a casa-da-banho parece ter destronado, a nível popular, o quarto de banho.

Se casa significa em romano antigo compartimento, penso que os termos, quarto ou sala ou mesmo compartimento dão-nos uma ideia mais precisa, de uma divisão da casa (propriamente dita). De qualquer forma ninguém pensa na etimologia, mas poderiam perguntar-se, pelo menos, onde está o chuveiro?

Dentro das palavras, que estão a desaparecer e a ser substituídas, em Portugal, e insidiosamente no Norte, por uma gíria, calão, por um léxico, certamente alfacinhas, ou se muda o siginificado de algumas, e a própria Gramática ou o seu uso será sempre incorrecto, mesmo que constante nos meios de comunicação:





Funcionário ou trabalhador assalariado/colaborador

Não cumpriu/incompriu

Mentira/ inverdade ou não verdade

Sapatilhas/ténis

Encarregado / encarregue

Empregado/empregue

Soalheiro, ensolarado / solarengo

Valorizar/valorar

Climático / climatérico

Grave / gravoso (tem outro impacto e mais estilo).

Rever, reavaliar ou aprofundar, tornar mais fundo, deixar mais fundo, afundar /refundar (Passos Coelho).

Queijo da Serra/ queijo tipo serra, contrafacção, gostava de ser mas não é? é quase…mas não chega lá?

Tragédia humana / tragédia humanitária (2 termos que se anulam)

Atentamente/atenciosamente (tão atencioso que eu sou)

Delator/Bufo/Chibo

Delatar/Bufar/Chibar

Desfibrilar /Desfibrilhar

Urgência/Banco

Guarda-chuva/chapéu- de- chuva

Teatro Municipal Rivoli/Rivoli Teatro Municipal

Valorizar/valorar

Reportagem/peça

Quarto de banho/casa de banho.

Saiu rapidamente/saiu rápido.

Bisbilhotar/cuscar

Bisbilhoteiro/cusco

Depois, bombardeados pelas vogais, que, embora escritas sem acento agudo são pronunciadas, em Lisboa como o tendo, os nortenhos vão, inconscientemente sucumbindo a esta acentuação, não gráfica mas verbal.
Óéste

Póénte

Cómo um macaco.

Lárgár

Cápelo

Álérta

Históriador

Fímínínos

Crácóvia

Résgátar
Támánco


Fáráó

Sódóéste

Nóróéste

Márinho

Cárdozo

Érmida

Cárrilho

Ápésar

Párá-médico

Bórlistas

Sériédade

Sinérgia

Sódóma

Járgão

Ácértáram

Monárquia

Áccionadas

S. Pétérsburgo

Méstrado

Cássandro

Cássilhas

Álértar

Résgátár

Ártur

Résgátas , Résgatar.

Pégões

Fátinha

Deságuár

Sófá

Páráguái

Cáchão

Rónáldo

etc, etc, etc…
Devia ser constituído, um movimento cívico, nortenho, de resistência e combate, a esta insidiosa descaracterização da cultura do Norte, e das incorrecções, cada vez mais frequentes, da língua Portuguesa, pelo (mau) monopólio alfacinha da televisão.

É verdade que houve programas sobre o bom uso das palavras, na RTP, mas, para logo a seguir, vir um(a) locutor(a), descontraído(a) e sorridente, usar os termos, que tinham sido, imediatamente antes, apresentados como exemplos de incorrecção.



terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

Interlúdios Pediátricos


  


   

Um belo dia, na Urgência de Pediatria do Hospital de Gaia, em estado de sítio diário, na década de 80 do século passado, claro, atendi uma senhora que nos trazia a filha, de cerca de 4 anos, por esta “mancar”:


-Muito bem. Tire-lhe a roupa e os sapatos e ponha-a a caminhar no chão para a gente ver (as alterações da marcha).
-Oh! Doutor, responde-me ela de imediato, pois é, tira-se-lhe os sapatos e ela deixa de mancar, uns sapatos novos acabadinhos de comprar…


No mesmo serviço de Urgência e na mesma época, vieram ter connosco 2 bombeiros, que prontamente se gabaram de terem batido um qualquer recorde particular de velocidade e na rapidez com que chegaram ao hospital. Uma colega da urgência geral confirmou esta destreza dos bombeiros em afastar o trânsito, como o Moisés fez com as águas do Mar Vermelho, pois tinha aproveitado a “boleia” e veio de carro atrás deles:



-E o doente? -  perguntei.
-Ha! O doente! -  lembraram-se, enquanto olhavam para trás, para o procurarem no meio da habitual multidão que afluía à urgência do nosso hospital.
Lá o descortinaram ao colo da mãe, um menino com cerca de três anos, de cabeça levantada, a observar tudo à volta, com curiosidade e fascínio.

Mandei-os entrar, sentei a criança na mesa de observações do consultório comum, e perguntei à mãe qual a razão da vinda à urgência.


  

 -Oh doutor! São umas feridinhas que ele tem nos ombros.
Quando eu me pus a observar umas lesões discretas de coceira nos ombros de uma criança com bom estado geral, sem queixas, ela adiantou-se logo dizendo
-Quase de certeza que são pulgas. É que nós temos a casa infestada delas.
Não contive o riso o que melindrou muito a senhora
-O doutor ri-se! Pois! É fácil! se tivesse assim a casa cheia de pulgas já não se ria.




A salinha de espera, com frequência, rebentava pelas costuras. Os médicos tinham de vir chamar, “o doente seguinte”, à porta. 

Certa vez, quando abri a porta para chamar mais uma criança, estranhei ver um pai, antes de ter sido chamado, já especado, diante da porta, com expressão de algum alarme, mas cujo filho, que trazia ao colo, não revelava sinais de urgência. A expressão de alarme não era pelo estado clínico do filho. Estava era, de nítida má-fé, a procurar tirar-me do campo de visão, uma criança, que detectei pelo canto do olho, sentadinha ao colo da mãe, com uma dermatose infecciosa muito exuberante e impressionante, não lhe fosse eu dar prioridade, que, se bem me recordo, dei. 

Infelizmente esta atitude de egocentrismo mesquinho e pouco racional, nos antípodas do altruísmo, é uma característica que se aceita socialmente, ou que, pelo menos, se desculpa tacitamente, no nosso país, o que não contribui muito para o bem geral. 
    
A urgência de pediatria de Gaia, que funcionava de forma aberta, era das urgências mais movimentadas do país, com a 2.ª população mais numerosa e em maior crescimento demográfico, o que significa uma população jovem e com filhos.

As probabilidades de darmos assistência às situações mais impensáveis eram enormes.

       Os ciganos típicos, de que a maioria das pessoas desconhece, a começar por eles próprios, serem oriundos da Índia e do Paquistão, em Portugal, ao contrário do que acontece nos restantes países de acolhimento, intimidam em vez de serem intimidados.
      Na Alemanha nazi tiveram o mesmo destino que as comunidades judaicas, o extermínio. Apesar de tudo prefiro que eles nos intimidem, dentro do razoável, às opções xenófobas ou fascistas daquela Alemanha e dos países do leste europeu. 

Mas adiante.

   Nos hospitais, os ciganos, metem respeitinho até aos seguranças e porteiros, e conseguem, não poucas vezes, passar à frente das outras pessoas.
É o caso, e aqui até se justificaria, de uma cigana que irrompe aflita pela urgência dentro, a pedir auxílio, com o filho de 10 a 12 meses, ao colo, prostrado, pálido, sonolento e sem actividade. A primeira coisa de que me dei conta é de que, apesar de estar nesse dia uma temperatura ambiente superior a 20ºC a criança vinha ultra agasalhada. 
Mandei tirar-lhe a roupa e, quando já estava quase despido, acorda, fica corado, ri-se satisfeito, e manifesta uma boa vitalidade. Assim. E a cigana tão depressa entrou como saiu, com uma criança ao colo bem-disposta, com boa vitalidade e atenta a tudo e o mal- estar assim resolvido.

Houve posteriormente um período em que só eram aceites, pelo menos durante o dia, as crianças numa emergência ou que traziam carta do Centro de Saúde, numa tentativa do Hospital para disciplinar mais o recurso à Urgência.

      Numa manhã entra pelo corredor da Pediatria adentro uma senhora, bem nutrida, de cerca de 55 anos, com o neto ao colo, de 2-3 anos, a pedir, exibindo grande aflição, agitação e sobressalto, para lhe verem a criança que estava muito mal, a vomitar tudo.
Numa primeira observação, com a criança ainda ao colo, constatei que não dizia a cara com a careta, ou seja não havia correspondência entre o bom estado geral e a descontracção da criança, por um lado e o alarmismo da senhora por outro. 
Perguntei-lhe porque não tinha ido primeiro ao Centro de Saúde.

- Fui mas estava fechado para desinfecção - responde de imediato.
Telefonei então para o centro, para perguntar se realmente estavam fechados. Do outro lado da linha, com algum espanto na voz, a telefonista respondeu-me que têm estado sempre abertos ao público.
Quando dei esta informação à avó levei logo com uns assertivos e desafiadores : e agora! e então!?(o que é que me vais fazer?). 
Então resignado e vencido, vi a criança, dei-lhe alta e mandei a senhora para casa, já mais tranquila, com uma dietinha de caldos de galinha e Pedras Salgadas para o neto.

       Mas não é só de pulgas, de roupa a mais, de sapatos apertados ou de chicas espertas de que a urgência vive. Há, claro, as urgências verdadeiras, que não são poucas, e as emergências, que monopolizam quase toda a equipa.  
       Também há “as picas”.
       Quando uma criança ou um adolescente dão entrada com uma crise de asma, resistente à terapêutica anti-asmática no domícilio podemos ter de recorrer aos injectáveis.
       Foi o que aconteceu com uma pré- adolescente a quem eu prescrevi uma injecção para tratar a sua crise.
       Entretanto a mãe, depois de informada, arregala os olhos com expressão de desamparo e desespero e desata a balbuciar: uma injecção, oh! meu Deus, diz deitando as mãos à cara, uma injecção!repete aflitivamente. A filha, que estava sentada, fica muito admirada a olhar para a mãe, até que, com um movimento em espiral, cai desmaiada.
         Temos também que estar atentos à informação que nos dão pois nem sempre a devemos levar à letra como a daquela senhora enfermeira de outros tempos que me disse que o sobrinho, de 18 anos, era alérgico à penicilina pois mal via a injecção à frente dele, desmaiava.



        Na consulta externa de pediatria uma das preocupações mais frequentes manifestadas pelas mães é a das lutas que tem de travar com os filhos à mesa para que estes comam.
        Mas a maior parte das vezes, embora os pais digam que a criança se alimenta muito mal, que não gosta de nada, que não come nada, aparece-nos com bom estado geral e com um peso adequado à estatura e mesmo, não poucas vezes, no limiar superior da escala.


Houve o caso de uma criança que se apresentava sempre no percentil 95 de peso (o limite superior) com bom estado geral, com óptima vitalidade, mas em todas as consultas a mãe repetia sempre a mesma ladainha: não come nada e sinto-a definhar dia-a-dia. E não havia médicos ou enfermeiras que a convencessem do contrário.
          Mas no que toca às comidinhas as crianças revelam-nos, por vezes, facetas inesperadas de inspiração.
          

    Estava a mãe a descrever uma lista interminável de alimentos que a filha, de 8-9 anos, por sinal anafadinha, bem-disposta e rosada, não gostava, rematando com um “ela não gosta mesmo de nada”, quando eu lhe perguntei:
-Mas de batatas fritas gostas, não gostas?
-Não! - responde ela de imediato sorridente e triunfante, esplendorosa, um não bem vincado, com um impulso desafiador do tronco para a frente na minha direcção. Como a dizer: querias-me apanhar, não querias?
       Em contrapartida os pais encaram, em regra, de forma muito mais descontraída, para não dizer bem-humorada, a obesidade.
Na maioria dos casos quando informamos a mãe que a criança tem excesso de peso, ela ri-se, satisfeita, deitando um olhar cúmplice para o médico, não escondendo o orgulho e o alívio de ter gerado um “bom garfo”, mesmo, quantas vezes, em situações de obesidade acentuada.

         Mas também aqui, os miúdos, por vezes, saem-se com tiradas que só podemos relembrar com um sorriso nos lábios como o de uma menina, na sua segunda infância, que depois de me ter ouvido falar com a mãe sobre regras alimentares desabafa:
-Não posso comer chocolates, não posso comer batatas fritas, não posso comer nada, mas este médico quer-me matar à fome?

            Ainda da consulta há episódios que nos ajudam a perceber as fases de desenvolvimento psicossocial das crianças, e que muitas das vezes não é o receio do médico o que as faz chorar, mas tão- somente uma forma de afirmar a sua personalidade.



            Uma menina de cerca 3 anos, que se manifestava sempre, com um choro vigoroso, contra o exame da garganta pelo médico, um dia, na consulta, sentadinha na mesa de observações, abriu a boca distraidamente, aceitou a espátula com naturalidade, permitindo uma boa e relativamente demorada visualização da faringe, e, no fim, fecha a boca com tranquilidade e descontraída. Trinta segundos depois começa a aperceber-se de que a tinham apanhado sem ela dar conta, à falsa fé, sem ter dado luta, sem opor resistência, como lhe competia e então desata num choro gritado, esse sim já apropriado se bem que tardio. A mãe confirmou aquilo que já suspeitava e desata-se a rir.


Na verdade, cada grupo etário tem especificidades muito próprias, senão não se justificaria haver Pediatria.

É o caso da forma como, no geral, as crianças com bronquite asmática procedem durante as crises e a forma como as encaram.
Estava a explicar a uma mãe, com o filho asmático, de 9 anos, atentamente a ouvir, que se ocorresse a uma criança, da segunda infância, uma crise de asma moderada, durante um jogo de futebol, ela continuaria entusiasmada a correr, o que o pequeno ouvinte confirmou sorridente: é verdade, é.


Os pais nem se apercebem, e trazem a criança porque tem tosse, e veem com frequência, de forma descontraída, até que o médico se apercebe por sinais externos, bem disfarçados pela hipercinésia própria da infância, e à auscultação, que a criança está com broncospasmo.

Contei aquele episódio à mãe de uma menina, esta com uma asma obstrutiva crónica, para ilustrar as particularidades pediátricas que diziam também, naturalmente, respeito à sua filha. Virei-me para a criança e disse-lhe que ela de certeza também não parava de correr quando sentia o aperto dos brônquios. Inicialmente começou por dizer que não, “não senhora”, mas depois, com um sorriso cúmplice, lá foi dizendo que não parava de correr.



Se as situações, que se passam na Urgência, aqui descritas, ilustram bem os baixos índices de cidadania e de sentido de responsabilidade comunitária, de muita da nossa população, que mais ou menos inocentemente vão contribuindo para o esbanjamento do erário de todos nós, não devemos contudo deixar de nos congratular por, e nunca é demais dizê-lo, ocuparmos um espantoso 3.º lugar nos indicadores de saúde materno-infantil, a nível mundial, na década passada. 




 Mais que refundar, que pode querer dizer afundar mais, segundo o dicionário, aqueles que podem e mandam, deveriam identificar as razões de tão brilhante lugar no ranking mundial da Saúde, procurando soluções de melhor gestão dos recursos e de educação cívica que inclui os funcionários hospitalares (no campo dos desperdícios, dos gastos desnecessários, por exemplo), e não optar por políticas em que a procura do barato pode sair muito caro a todos nós.








quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

Pequeno almoço continental ou insular?




Há tempos, um amigo que estava hospedado num hotel, deu-me notícia de que esse hotel era tão bom que até serviam um pequeno -almoço continental. 

Logicamente seria de pensar na gastronomia de países como Portugal, Espanha, França, Itália, Áustria, mas já todos sabemos, conscientes ou não do equívoco, que aquela denominação se aplica aos hábitos alimentares, bem característicos, de uma ilha famosa.

Muitos hóteis anunciam um pequeno -almoço continental, com pompa, mas sem ponta de rigor, pois oferecem-nos, isso sim, um pequeno- almoço insular, à inglesa, um, na verdade, “british breakfast”, que pode incluir bacon frito, rins, feijão com tomate, pepino, ovos mexidos, presunto, salsichas, cogumelos…

Já na Inglaterra, quando se fala em pequeno almoço continental, pensa-se numa refeição com os nossos habituais e continentais café com leite e pão com manteiga, além dos brioches, (que evocam a rainha Marie Antoinette, numa anedota tristemente célebre) e dos croissants.

Neste último caso o termo estará óbviamente correcto pois define bem as diferenças, no que respeita à primeira refeição do dia, entre duas culturas gastronómicas, separadas pelo Canal da Mancha. De um lado a ilha britânica, com os seus bacon e feijão, do outro o continente, com os seus cafe au lait e croissants com manteiga. 

Na Europa Ocidental e continental, grosso modo, o pequeno  almoço padrão, generalizou-se, a partir da países como a Áustria, a França e a Itália, e é justamente a ele a que os ingleses chamam, de forma adequada, de continental.

Enquanto, por cá, muitos profissionais da área da restauração designam por continental o que é tradição insular e very british.
Será que esses responsáveis hoteleiros sabem o significado do termo, será que nem pensam na etimologia, ou será porque soa bem?


O certo é que interiorizam, no seu léxico, uma incorrecção, induzem as pessoas em erro e levam-nas a usar, contentes da vida, uma terminologia caricata.


Mas, pelo menos, há algo que lhes será impossivel de conseguir, por mais que troquem o real e correcto significado das palavras: o de transformarem a Grã -Bretanha num continente.