E da supremacia dos alfacinhas em afirmar e impor a sua gíria e a sua pronúncia, via TV, ao resto do país.
Se, no Sul, as pessoas escrevessem as palavras, no computador como as pronunciam, mais de metade dessas palavras apareceria, com o sublinhado vermelho de erro.

No Norte, por seu turno, onde podemos ouvir a tão satirizada “pronúncia do Norte” (mas celebrizada pelo Rui Reininho e os GNR), que aliás diz mais respeito ao Douro Litoral, Minho e arredores, onde nos aproximamos mais do Galaico-Português, usada, com frequência, nos programas de humor alfacinha como caricatura de ruralidade e atraso, mas, também aqui, escrevendo como pronunciam, provocariam muitos tracinhos vermelhos (talvez não tantos).
Contudo, o Sul, tem uma enorme vantagem para impor, a nível nacional, o(s) seu(s) sotaque(s), a sua gíria, o seu calão: a televisão.
Há aqui sem dúvida uma grande desigualdade, uma desproporção de forças, basta Lisboa ter nas mãos os mais poderosos meios de comunicação audiovisual, para além das mais importantes e ouvidas estações de rádio.
100% ou quase, de locutores, comentadores, apresentadores, meteorologistas, artistas e actores (bem como de tradutores), são de Lisboa ou do Sul, ou vivem, na capital, os anos suficientes para se renderem ao dialecto índigena, e lá vem os sódóeste e os nóróéste, para além da substituição insidiosa de palavras e expressões, mesmo do calão.
Há palavras que, misteriosamente, desapareceram do léxico da radiodifusão e há outras que passaram a ter um significado diferente, senão mesmo o seu oposto, mas que se estão a impor, palavras, de uma espécie de novo escritismo (novo riquismo da escrita?) e de calão, sulistas, e quase que se torna urgente um (re)acordo ortográfico para consumo interno.
Gravoso soa mais pomposo que grave.
Por exemplo, desde há anos que parece existir um acordo tácito, verdadeiramente silencioso, onde a palavra grave desapareceu do léxico das televisões e rádios, quer sejam jornalistas quer sejam convidados e entrevistados, agora, invariavelmente, substituído por gravoso.
É que soa com mais pompa, disse-me uma professora de português.
Falei-lhe, a essa professora, também, em como, na mesma televisão, só se usa a expressão “tragédia humanitária”, para maremotos, terramotos, refugiados de guerra, e afins, em que os dois termos se anulam. Pareceu reflectir, assimilar e lá anuíu.
Mas logo a seguir fala-me em dia solarengo…
Se humanitária será em benefício da humanidade como é que uma tragédia pode vir em benefício do ser humano. Só se for uma epidemia em massa que alivie o ministro das finanças de muitas reformas e pensões.
Quanto a solarengo, será um termo relativo a solares ou casas solarengas, distinto de soalheiro.

Já o adjectivo encarregado foi completamente eclipsado pelo, mais executivo, encarregue, embora, na esmagadora maioria das situações em que este verbo (3.ª pessoa do singular), se emprega, o correcto seria o uso do adjectivo encarregado.
Mas vejam-se duas frases, em que a primeira, representará, no recurso a este novo léxico, a única forma possível, na actualidade, a nível da televisão ou da rádio, de transmitir o conteúdo da segunda frase:
A peça televisiva obtida, nomeadamente, neste contexto climatérico gravoso, por quem estava encarregue de seguir, nomeadamente, uma eventual tragédia humanitária.
A reportagem televisiva, neste contexto climático grave, por quem estava encarregado de seguir uma eventual tragédia humana.
Talvez, com sorte, sem os nomeadamente, e com o (mais) correcto climático.
Tomar banho numa sanita?
Deve fazer confusão a um turista estrangeiro quando lhe indicam a “casa de banho”, e se vê, não numa casa, mas num quartinho, com uma sanita ou um urinol, que servem para defecar, para urinar, mas não, certamente, para tomar banho.
Casa de banho, como se tornou num termo atractivo (pelo menos no Norte, onde não estava enraizado), por representar uma certa imprecisão de conceito, um certo gosto português em conduzir displicentemente pelo zebrado.

Se no Norte ainda não pegou moda casa de jantar em vez de sala de jantar, a casa-da-banho parece ter destronado, a nível popular, o quarto de banho.
Se casa significa em romano antigo compartimento, penso que os termos, quarto ou sala ou mesmo compartimento dão-nos uma ideia mais precisa, de uma divisão da casa (propriamente dita). De qualquer forma ninguém pensa na etimologia, mas poderiam perguntar-se, pelo menos, onde está o chuveiro?
Dentro das palavras, que estão a desaparecer e a ser substituídas, em Portugal, e insidiosamente no Norte, por uma gíria, calão, por um léxico, certamente alfacinhas, ou se muda o siginificado de algumas, e a própria Gramática ou o seu uso será sempre incorrecto, mesmo que constante nos meios de comunicação:
Funcionário ou trabalhador assalariado/colaborador
Não cumpriu/incompriu
Mentira/ inverdade ou não verdade
Sapatilhas/ténis
Encarregado / encarregue
Empregado/empregue
Soalheiro, ensolarado / solarengo
Valorizar/valorar
Climático / climatérico
Grave / gravoso (tem outro impacto e mais estilo).

Queijo da Serra/ queijo tipo serra, contrafacção, gostava de ser mas não é? é quase…mas não chega lá?
Tragédia humana / tragédia humanitária (2 termos que se anulam)
Atentamente/atenciosamente (tão atencioso que eu sou)
Delator/Bufo/Chibo
Delatar/Bufar/Chibar
Desfibrilar /Desfibrilhar
Urgência/Banco
Guarda-chuva/chapéu- de- chuva
Teatro Municipal Rivoli/Rivoli Teatro Municipal
Valorizar/valorar
Reportagem/peça
Quarto de banho/casa de banho.
Saiu rapidamente/saiu rápido.
Bisbilhotar/cuscar
Bisbilhoteiro/cusco
Depois, bombardeados pelas vogais, que, embora escritas sem acento agudo são pronunciadas, em Lisboa como o tendo, os nortenhos vão, inconscientemente sucumbindo a esta acentuação, não gráfica mas verbal.
Támánco
Fáráó
Sódóéste
Nóróéste
Márinho
Cárdozo
Érmida
Cárrilho
Ápésar
Párá-médico
Bórlistas
Sériédade
Sinérgia
Sódóma
Járgão
Ácértáram
Monárquia
Áccionadas
S. Pétérsburgo
Méstrado
Álértar
Résgátár
Ártur
Résgátas , Résgatar.
Pégões
Fátinha
Deságuár
Sófá
Páráguái
Cáchão
Rónáldo
etc, etc, etc…
Devia ser constituído, um movimento cívico, nortenho, de resistência e combate, a esta insidiosa descaracterização da cultura do Norte, e das incorrecções, cada vez mais frequentes, da língua Portuguesa, pelo (mau) monopólio alfacinha da televisão.
É verdade que houve programas sobre o bom uso das palavras, na RTP, mas, para logo a seguir, vir um(a) locutor(a), descontraído(a) e sorridente, usar os termos, que tinham sido, imediatamente antes, apresentados como exemplos de incorrecção.
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