Quando um locutor entrevista um ministro ou alguma personalidade política de relevo, trata-o, em regra, por senhor ministro senhor doutor, senhor engenheiro (mesmo os de cursos manhosos e com currículos aldrabados), senhor deputado, ou quando muito por senhor(a).
Inversamente sua excelência, o entrevistado, como recentemente o cientista e progressista Alexandre Quintanilha, na SIC, está à vontade para tratar sobranceiramente o jornalista pelo pronome você com a certeza que o entrevistador não se atreverá a dirigir-se a ele sem ser como Sr. Professor.
Numa entrevista a dois ex-grão mestres da maçonaria, o Dr. António Arnaut, e o Dr. António Reis, o primeiro, que passou a maior parte do programa sorridente e afável, a páginas tantas, e num momento em que se impacientou mais com a locutora e a eventual inpertinência das suas perguntas-comentário, carregou bem por 2 vezes naquele pronome. O “você” aqui foi usado de forma isolada, nitidamente como sinal de descontentamento com as perguntas da jornalista.
Nos debates pré eleitorais entre políticos não me lembro de ver os participantes tratarem-se entre si sem ser pelo título académico, diplomático ou ministerial*. Quando muito um “olhe que não, olhe que não”.
Já os apresentadores de concursos, como que assumindo uma certa hierarquia, tratam com muita frequência os concorrentes por você. Aliás, por vezes, repetem à exaustão, em rajada, você isto, você aquilo, você aqueloutro. De certeza que em presença de uma alta individualidade, por mais medíocre e banal que fosse, tais apresentadores não se atreveriam a usar tal gíria.

Curiosamente, mas afinal respeitando a hierarquia, nenhum dos concorrentes se atreve a retribuir tratando os apresentadores também por aquele pronome.
Por outro lado é frequente o personagem dominante usar e abusar do você com o interlocutor como é o caso do psiquiatra mediático, Júlio Machado Vaz, que chega a disparar o dito pronome, de forma seca, bem carregada, bem sublinhado, bem acentuado, subindo uns significativos decibéis quando “atira” às pessoas aquele prenome, pelo menos uma vez por frase, quer seja com a psicóloga com quem faz equipa no rádio, quer seja na Praça da Alegria com Jorge Gabriel e Sónia Araújo. Nem a psicóloga nem aqueles apresentadores se atreveriam a retribuir o tratamento. Já com outros interlocutores, menos importantes para os entrevistadores é provável que passasse a ser o inverso.**
Provavelmente encontraremos em Lisboa, a difusão soberana, o epicentro do uso e abuso deste tratamento hierárquico, pois na verdade estamos colonizados via TV e via legendas de cinema, pela gíria, pela terminologia alfacinhas.
No Porto, certa vez, na Escola Superior Artística do Porto, uma aluna jovem lembrou-se de tratar um dos empregados, o responsável do laboratório de fotografia daquela escola, por você. Ouviu em resposta um tonitroante “você…é na estrebaria!”
De certa forma, na cultura portuguesa, há um distanciamento, por cima, assumido, de quem recorre a este termo, e ao mesmo tempo pode tratar-se de uma familiaridade imposta, com a prepotência de quem sabe que o destinatário não vai dar notícia do seu desconforto, mesmo que o sinta, com tal tratamento, como é o caso dos concursos televisivos, ou de quem, no geral, está seguro de ter a faca e o queijo na mão.
Ou ainda por snobismo, ou para criar distanciamento, ou por desprezo, azedume e crispação, ou por simples ignorância.
O destinatário mesmo que ache abusivo, ou de se sentir desconfortável por ser assim tratado, pode não reclamar por receio de causar atritos, ou esboça apenas um sorriso amarelo para que o canalizador não deixe a obra a meio.
Mas era o pronome que a senhora viscondessa usa(va) com a criadagem – ó Casimira você não me volte a deitar funcho na vitela - ou de um pai zangado com a filha, quando lhe passa um ralhete -você ouça o que eu lhe digo, ou estuda ou não vai longe- e, talvez, habitual no ambiente familiar de algum novo riquismo, ou com pretensões a isso.
E, pelos vistos, não haverá uma diferença regional assim tão grande, na maneira como se encara este termo, entre o Porto e Lisboa, como se constata na distribuição dos “vocês”, na televisão lisboeta, dependendo de os destinatários serem considerados mais ou menos importantes.
E há de facto uma hierarquia do você, pois o Sr. Dr. Júlio Machado Vaz, ou o senhor apresentador televisivo de concursos, José Carlos Malato, estão à vontade para disparar os vocês até à exaustão que podem, sobretudo o primeiro, ficarem a olhar desafiadoramente os interlocutores como que a dizer-lhes: vá vê lá se te atreves a tratar-me também assim.
A não ser que talvez um picheleiro que por acaso não esteja a par do mediatismo daquele psiquiatra famoso e seja chamado a acudir-lhe, por algum contratempo que envolva canalizações e torneiras, o brinde com muitos vocês, em vez de o senhor doutor ou simplesmente o senhor. Afinal pode dar-se a esse luxo pois é ele quem tem no momento a faca e o queijo na mão. E sabe disso.
Ressalvam-se, claro, os brasileiros, que trocaram o tu por você, por questões de independência, de feitio ou outras.
** Nos últimos programas da Praça de Alegria, que pude ver, o Psiquiatra já tratava os animadores pela segunda pessoa do singular.
PS. Se na etimologia desta palavra se encontra uma expressão de grande deferência no” vossa mercê”, que depois evoluiu para vosmecê e você, nos dias que correm, e exceptuando o que é costume em muitas aldeias, é evidente que o seu sentido actual está nos antípodas, ou quase, do grande respeito, senão da afirmação de vassalagem, que aquele tratamento rep
Gostei de ler
ResponderEliminarAbraço
Rui Taborda