sábado, 23 de junho de 2012

Bué, bué, bué de longe…




Desde há uns anos que tenho a impressão que o trabalho de traduzir, em muitas das obras literárias, não tem sido entregue propriamente a uma elite de tradutores, mas a quem vai dando alguma conta do recado, um bocado do género de quem não tem cão caça com gato, e não sei se, cada vez mais, excessivamente condicionados pela cultura anglo-saxónica. 

Felizmente vão aparecendo traduções -nos antípodas da mediania senão mesmo da mediocridade, que a meu ver se estão a instalar nas editoras de maior popularidade- como a de Frederico Lourenço que, após um grande trabalho de pesquisa, tornou mais acessível e ao mesmo tempo mais fiel ao texto, a leitura desses dois grandes livros mágicos e fascinantes a Odisseia e a Ilíada de Homero (1).

Embora não seja da minha área específica de conhecimento mas, como leitor, e freguês das livrarias, com hábitos de leitura desde tenra idade, tenho que dar conta das formas mais grosseiras e evidentes do laxismo e da falta de rigor ou de competências mais adequadas, de quem traduz.

Este texto que se segue é uma compilação de cartas escritas às editoras Bertrand, Quetzal e Gradiva e ao Inimigo Público. O leitmotiv será o dos sistemas de pesos e medidas à volta do qual outras questões e motivos são abordados. 
Houve algumas alterações no conteúdo e na forma mas o essencial mantém-se.

Tive respostas da Quetzal pelo responsável da Comunicação e Imprensa, Bruno Vieira Amaral, que vai contactar a tradutora, e, literalmente, pela caneta do editor da Gradiva, Guilherme Valente, aliás numa carta personalizada, muito humana, cheia de um sentido de humor e de uma mordacidade desarmantes. Da Gradiva viria a receber uma segunda carta da responsável mais directa pela edição em questão, que justificava as opções abaixo descritas pela tentativa de se enquadrarem mais na época antiga em que a história, aliás do género Fantástico e juvenil, se desenvolve. Tranquiliza-me dizendo que é uma grande defensora da nossa cultura.

Da Quetzal li o Leão Africano (2), do escritor Amin Maalouf, libanês de nascimento, mas que vive em França desde 1976, e é em francês que escreve os seus livros. Aliás foi escolhido, recentemente, pela Academia Francesa, para fazer parte dela como seu membro de pleno direito.

Contudo, a tradução portuguesa do Léon L’African, a cargo de Maria da Graça Morais Sarmento, brinda-nos, sempre que há referência a distâncias, com milhas ao invés de quilómetros, unidade de medida do sistema métrico criado em França.

Ora quando um leitor minimamente erudito depara com a tradução de um romance francês que nos dá as distâncias em milhas, só podemos concluir que a tradutora é (mais) entendida no inglês e terá feito a tradução a partir da versão inglesa daquela obra. 

Depois não se lembrou de fazer a conversão para o sistema métrico, que por sinal também é o nosso, ou não esteve para isso, ou teve preguiça de ir às tabelas de conversão.

De qualquer forma muitos leitores devem ter ficado sem a noção das distâncias descritas, só o trabalho de ir às tabelas, e este tipo de tradução não respeita nem a cultura francesa nem a nossa.

No livro de Stephen King, A Maldição, da Bertrand, a páginas tantas dão-nos o peso do personagem principal em libras, mais concretamente cento e setenta e quatro libras. 

Eu pergunto se o tradutor usa, no seu dia-a-dia, no nosso país, esse sistema de pesos. Não o estou a ver a pedir no talho 10 libras de carne, ou no consultório do médico a dizer que emagreceu sete libras. Nem ponho a hipótese de tal coisa lhe ter alguma vez passado pela cabeça.

E duvido que a quase totalidade dos leitores saiba fazer a conversão automática de libras para quilos (portugueses, latinos e universais). O mais provável é que a maioria dos leitores não se preocupe muito e passe à frente. 

Uma tradução completa e rigorosa também deve respeitar os diferentes sistemas de pesos e medidas, “traduzindo”, fazendo a conversão do sistema anglo -saxónico para os nossos sistemas, portugueses e (mais) universais.  
      
Também na Marca das Runas, da Gradiva, com tradução de Isabel Fraga, destaca-se, a meu ver, o uso, sem complacências, da terminologia inglesa de jardas, pés e pés cúbicos e milhas, sem tradução (conversão) para o nosso sistema métrico, nem em rodapé. 

Apesar de toda a influência anglo-americana que nos é veiculada diariamente desde as muitas designações, em que, no quotidiano, se prefere o inglês em detrimento do português, em diferentes áreas de actividades técnicas, cientificas, comerciais, de lazer e desportivas, na orgânica de hotéis e empresas, até ao monopólio de séries de televisão e de filmes, ninguém vai dizer, nem a tradutora certamente, que faltam duas milhas para terminar a viagem ou que aquela sala tem tantos pés (ou que esta caixa tem os pés cúbicos suficientes).


A não ser que haja uma estratégia tácita de quem traduz e dos ministérios governamentais, aqueles que mudaram, no turismo, Algarve para Allgarve, para depois nos habituarmos a poder dizer aos turistas ingleses, perdão, ingleses turistas, as distâncias em milhas. 

De qualquer forma uma coisa são expressões híbridas, mas com mais ou menos o mesmo significado, no português corrente, do que se pretende dizer, outra coisa será esta, a meu ver, “falsa” tradução em que os termos não têm uma correspondência directa, prática, automática, no que respeita ao português falado, no nosso quotidiano.

Provavelmente foi só comodismo em converter milhas em quilómetros, ou será que traduzir do inglês para o português não inclui a conversão dos respectivos sistemas de medição?
Se há vontade da tradutora em nos ir familiarizando, aos bocadinhos, com a imperial língua, podia pôr, em rodapé ou no fim do (s) livro(s), tabelas de correspondência.          
                                                                   
Por outro lado, no acto de traduzir, tenho a percepção no geral e neste livro em particular, que, ainda sob a influência anglo saxónica, gradualmente, o adjectivo passou a ser mais importante que o substantivo, precedendo-o quase sempre, senão sempre, como se estivéssemos a imitar um inglês a falar (o que fazíamos como caricatura). 

Também encontramos outro tipo de transcrição no original, sem tradução, nem em rodapé. No livro A Filha de Hitler, da Bertrand, passado para o português por Patrícia Xavier, encontrei muitas frases e excertos de libretos em alemão, sem a respectiva tradução. 

Dos libretos, das óperas do Wagner, ainda se consegue a tradução em inglês ou francês, para quem tenha boas edições discográficas daquelas óperas. Agora de outras frases, do alemão (e do francês), só se eu me substituir à tradutora, no trabalho de passar para a nossa língua latina, ibérica e lusa, as frases em germânico.
                   
É possível que tenham os leitores em tal alta conta, em que o domínio de línguas estrangeiras, e a conversão mental automática de pés e milhas, para o nosso sistema métrico, seja uma realidade já comum a tais leitores. Tal não acontece comigo e preciso de tabelas, dicionários ou da ajuda de quem sabe alemão, o que não é fácil, o que certamente acontecerá com a imensa maioria dos vossos leitores.

                 Independentemente desta tradução, que, no geral, será rigorosa, parece haver uma aceitação pública a arquétipos de maior laxismo, ignorância e conformismo em relação à arte de traduzir, falta de cultura geral do público, nos meios estudantis donde sairão os novos tradutores e dos novos licenciados.  

Isto torna-se muito mais visível, não poucas vezes de forma bem grosseira, na legendagem de filmes em DVD ou no Cinema, que se chega a duvidar das habilitações de quem traduz.

Ainda sobre a transcrição simples de línguas estrangeiras, no suplemento do Público, o Inimigo Público, pelo menos até 2008, as legendas ou os balões dos desenhos satíricos, da imprensa internacional, não eram traduzidos, inclusive, e se a memória não me falha, do alemão. 

Pode, também aqui considerar-se a alta consideração que o I.P. tem pelos seus leitores, gente instruída o suficiente para não precisar de traduções.    



               
Mas concedam-nos a liberdade de não sermos obrigados a saber tanto de inglês, já nem falo do alemão ou do holandês, como da nossa língua. Senão fica o leitor com a tarefa de traduzir, para quem tiver pachorra para tal, claro.

Não voltei a ver a falta de legendas ou de balões em português, desses desenhos satíricos, e, aliás, nem, tão pouco, os desenhos.

       Contudo a má tradução ou a falta dela revelam-se de forma muito mais evidente e primária nas salas de cinema e na televisão onde os exemplos mais grosseiros pontificam, launched por lanche, caracterizar a agressão com um veneno como…virulenta, etc, etc.

No Cinema, como no filme recente Paranoid Park, de Gus Van Saint, já se viu Introduzir nas legendas, à viva força, termos em calão, predominantemente de origem juvenil e alfacinha, porque as personagens são adolescentes, quando, na língua original, o inglês, apesar de estarem na idade do bué e do fixe, se”esqueceram” de usar o calão. 
O tradutor, pessoa moderna, certamente “fixe”, vê-se na obrigação de corrigir e actualizar um discurso demasiado clássico e correcto para adolescentes dos nossos dias.


No (primeiro) filme Shrek, destaca-se logo no ínicio a exemplar criatividade, a “gracinha” do tradutor(a) ao passar de far, far, far away para os ridículos balidos, bué,bué, bué de longe, anulando o efeito de humor pretendido que seria contrapor ao classicismo e ao encanto daquela expressão tradicional, dos contos de fadas, o que se irá seguir num guião competente que não foi feito propriamente em cima do joelho.

Grosso modo penso não andar muito longe da verdade ao dizer que o retrato-tipo de um tradutor, não só de legendas de filmes e séries mas de muita literatura, será a de um individuo recém- licenciado, ou nem isso, lisboeta, nem sempre rigoroso, e muito preso à gíria alfacinha, de cariz sobretudo juvenil, “tipo bué”, mesmo, pelos vistos, que no original encontremos uma terminologia clássica.

Gostaria só de saber se as encomendas a quem traduz estarão a cargo de quem tem cada vez mais em linha de conta o primado económico ou social (família e amigos) sobre o curriculum, ou seja mão-de obra menos experiente e menos qualificada, talvez mais familiar, mais em conta, ou se realmente o recrutamento é feito entre os de melhor curriculum. 
 
Muito provavelmente receio que a resposta esteja na primeira hipótese, pois não teria lógica nenhuma serem os mais qualificados os actuais responsáveis pelas, quantas vezes, legendas hilariantes (podia-se fazer uma antologia volumosa), e pelas traduções pouco cuidadas na literatura.

Apesar de tudo Deus nos livre dos filmes dobrados, essa praga da qual, felizmente, temos sido poupados. Saber que há espectadores franceses e espanhóis que nunca ouviram a voz de um Vincent Price, de um Humphrey Bogart, de um Mastroianni, de uma Sofia Loren, de uma Julie Andrews, o alemão de uma Marlene Dietrich, o timbre de um russo, o acento tonal dos japoneses em natural sintonia com as suas atitudes e gestos, faz-me ter mais simpatia pelo nosso país.

Numa cena penso que do Decameron de Pasolini, que infelizmente vi dobrado em inglês, há um casal de jovens italianos que discute com grande vivacidade de gestos e expressões faciais, em grande contraste com a fleuma, a lentidão, a contenção o registo baixo e monocórdico do diálogo entre o casal que os dobra.





Nunca conheceremos verdadeiramente um actor se não lhe conhecermos a voz, não desfrutaremos completamente da cultura de um país ou de uma região se nunca ouvirmos as sonoridades da língua local.

(1)Livros Cotovia

(2)Já agora como leão em francês é lion e não Léon, que é um nome próprio, de pessoa, claro, só se pode tratar mesmo de uma tradução livre, para ter um título mais sonante em português, ou então foi distracção e falta de rigor. O título correcto em português seria Léon o Africano.



domingo, 17 de junho de 2012

A Cozinha Regional de Lamego, onde pára ela.




Há meses vi noticiada, no Jornal do Douro, a criação de uma nova confraria, a Confraria Gastronómica de Lamego. 

Para uma cidade que está longe de ser uma referência no que respeita à oferta, que aliás nem se avista, de pratos originais e tradicionais locais, podemos pensar, com aquela notícia, num acontecimento bem-vindo, que poderá vir a ser um catalizador para o renascimento gastronómico Lamecense. 

Desde que esta confraria seja mais do que um pretexto para feiras e patuscadas cerimoniais.

A Europa meridional e do sul, por influência das civilizações romana, e árabe, é de longe a região, muito à custa da Itália e da França, do mundo ocidental, com maior variedade, riqueza e imaginação, no que respeita à arte da culinária. 

E o concelho de Lamego também deu o seu contributo, ao longo dos séculos, para além das bolas típicas de bacalhau, de carne e de presunto, mas é preciso saber onde as comprar, e dos fumeiros e enchidos menos típicos. 

É verdade, por muito que não pareça, aqui também há pratos regionais.

Assim nós podemos encontrar nos livros de pesquisa gastronómica, não nos restaurantes, uns caldos de perdiz, de nabiças e de papas, uma açorda do Natal, cevadinha, arroz de couve, arroz de polvo, um bacalhau assado nas brasas, um bacalhau assado no forno e um bacalhau com molho de vilão, polvo frito, alheiras com batatas e grelos, cabrito assado no forno, carne em vinha de alhos, coelho assado no tacho, coelho com ervilhas, milhos com entrecosto, rojões (à moda de Lalim), um coelho à moda de Lamego, umas trutas de escabeche, um bolo de amêndoa e um outro de noz, quadrados de amêndoa, aletria (de Lamego), farinha de pau doce, pudim de laranja, grades, bolos amarelos, bolos-podres, pastéis de Lamego, mulatos, filhós (à moda de Lamego), fritos de leite.

E obviamente os vinhos do Douro, nesta cidade que foi o berço do Vinho do Porto, conhecido originalmente como Vinho Cheirante de Lamego. Não esquecendo os belíssimos brancos da zona do Távora-Varosa.

Sendo o Douro a região agrícola mais lucrativa do país e do noroeste da península, e que, desde há anos, tem ainda criado condições de transporte fluvial e de alojamento para usufruto de um número crescente de turistas, e sendo Lamego ponto de passagem obrigatório nas rotas do vinho, a visita só pode ficar social e culturalmente incompleta quando nas ementas dos restaurantes não se vislumbra qualquer convite à descoberta dos sabores seculares da cozinha lamecense.





sexta-feira, 1 de junho de 2012

Você…é na estrebaria!



Quando um locutor entrevista um ministro ou alguma personalidade política de relevo, trata-o, em regra, por senhor ministro senhor doutor, senhor engenheiro (mesmo os de cursos manhosos e com currículos aldrabados), senhor deputado, ou quando muito por senhor(a).

Inversamente sua excelência, o entrevistado, como recentemente o cientista e progressista Alexandre Quintanilha, na SIC, está à vontade para tratar sobranceiramente o jornalista pelo pronome você com a certeza que o entrevistador não se atreverá a dirigir-se a ele sem ser como Sr. Professor.

Numa entrevista a dois ex-grão mestres da maçonaria, o Dr. António Arnaut, e o Dr. António Reis, o primeiro, que passou a maior parte do programa sorridente e afável, a páginas tantas, e num momento em que se impacientou mais com a locutora e a eventual inpertinência das suas perguntas-comentário, carregou bem por 2 vezes naquele pronome. O “você” aqui foi usado de forma isolada, nitidamente como sinal de descontentamento com as perguntas da jornalista.

Nos debates pré eleitorais entre políticos não me lembro de ver os participantes tratarem-se entre si sem ser pelo título académico, diplomático ou ministerial*. Quando muito um “olhe que não, olhe que não”.
Já os apresentadores de concursos, como que assumindo uma certa hierarquia, tratam com muita frequência os concorrentes por você. Aliás, por vezes, repetem à exaustão, em rajada, você isto, você aquilo, você aqueloutro. De certeza que em presença de uma alta individualidade, por mais medíocre e banal que fosse, tais apresentadores não se atreveriam a usar tal gíria.

Curiosamente, mas afinal respeitando a hierarquia, nenhum dos concorrentes se atreve a retribuir tratando os apresentadores também por aquele pronome.

Por outro lado é frequente o personagem dominante usar e abusar do você com o interlocutor como é o caso do psiquiatra mediático, Júlio Machado Vaz, que chega a disparar o dito pronome, de forma seca, bem carregada, bem sublinhado, bem acentuado, subindo uns significativos decibéis quando “atira” às pessoas aquele prenome, pelo menos uma vez por frase, quer seja com a psicóloga com quem faz equipa no rádio, quer seja na Praça da Alegria com Jorge Gabriel e Sónia Araújo. Nem a psicóloga nem aqueles apresentadores se atreveriam a retribuir o tratamento. Já com outros interlocutores, menos importantes para os entrevistadores é provável que passasse a ser o inverso.**

Provavelmente encontraremos em Lisboa, a difusão soberana, o epicentro do uso e abuso deste tratamento hierárquico, pois na verdade estamos colonizados via TV e via legendas de cinema, pela gíria, pela terminologia alfacinhas.

No Porto, certa vez, na Escola Superior Artística do Porto, uma aluna jovem lembrou-se de tratar um dos empregados, o responsável do laboratório de fotografia daquela escola, por você. Ouviu em resposta um tonitroante “você…é na estrebaria!”

De certa forma, na cultura portuguesa, há um distanciamento, por cima, assumido, de quem recorre a este termo, e ao mesmo tempo pode tratar-se de uma familiaridade imposta, com a prepotência de quem sabe que o destinatário não vai dar notícia do seu desconforto, mesmo que o sinta, com tal tratamento, como é o caso dos concursos televisivos, ou de quem, no geral, está seguro de ter a faca e o queijo na mão.

Ou ainda por snobismo, ou para criar distanciamento, ou por desprezo, azedume e crispação, ou por simples ignorância.

O destinatário mesmo que ache abusivo, ou de se sentir desconfortável por ser assim tratado, pode não reclamar por receio de causar atritos, ou esboça apenas um sorriso amarelo para que o canalizador não deixe a obra a meio.

Mas era o pronome que a senhora viscondessa usa(va) com a criadagem – ó Casimira você não me volte a deitar funcho na vitela - ou de um pai zangado com a filha, quando lhe passa um ralhete -você ouça o que eu lhe digo, ou estuda ou não vai longe- e, talvez, habitual no ambiente familiar de algum novo riquismo, ou com pretensões a isso.

E, pelos vistos, não haverá uma diferença regional assim tão grande, na maneira como se encara este termo, entre o Porto e Lisboa, como se constata na distribuição dos “vocês”, na televisão lisboeta, dependendo de os destinatários serem considerados mais ou menos importantes.

E há de facto uma hierarquia do você, pois o Sr. Dr. Júlio Machado Vaz, ou o senhor apresentador televisivo de concursos, José Carlos Malato, estão à vontade para disparar os vocês até à exaustão que podem, sobretudo o primeiro, ficarem a olhar desafiadoramente os interlocutores como que a dizer-lhes: vá vê lá se te atreves a tratar-me também assim.

A não ser que talvez um picheleiro que por acaso não esteja a par do mediatismo daquele psiquiatra famoso e seja chamado a acudir-lhe, por algum contratempo que envolva canalizações e torneiras, o brinde com muitos vocês, em vez de o senhor doutor ou simplesmente o senhor. Afinal pode dar-se a esse luxo pois é ele quem tem no momento a faca e o queijo na mão. E sabe disso.

Ressalvam-se, claro, os brasileiros, que trocaram o tu por você, por questões de independência, de feitio ou outras.








* Excepto se quando se juntam na posição de comentadores e num ambiente muito encrespado, onde querem frisar o distanciamento com o opositor.
** Nos últimos programas da Praça de Alegria, que pude ver, o Psiquiatra já tratava os animadores pela segunda pessoa do singular.




PS. Se na etimologia desta palavra se encontra uma expressão de grande deferência no” vossa mercê”, que depois evoluiu para vosmecê e você, nos dias que correm, e exceptuando o que é costume em muitas aldeias, é evidente que o seu sentido actual está nos antípodas, ou quase, do grande respeito, senão da afirmação de vassalagem, que aquele tratamento rep