terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

Estamos em Portugal, ninguém leva a mal!



Há dias, numa entrevista radiofónica , um inglês, casado com uma portuguesa e residente no nosso país, fazia notar que uma das diferenças  em que mais tinha dificuldade em se adaptar, entre Portugal e a Inglaterra, um dos países com a taxa mais baixa de mortalidade nas estradas, seria o desleixo com que o condutor português conduz e estaciona.

Instigado pela mulher a “desenrascar-se”, numa ocasião em que havia dificuldades de estacionamento, ele levantou problemas de consciência, de cidadania, em estacionar o carro de forma irregular, já não me lembro se em cima do passeio, se junto a um cruzamento, se em via estreita, ao que os familiares lusitanos, que com ele viajavam, em uníssono soltaram um: não te preocupes estás em Portugal!

Podíamos pensar nas motos de alta cilindrada, que passam a troar os ares, impunemente com velocidades (inimagináveis no resto da Europa do Euro) e agressividade sonora interditos aos veículos de 4 rodas, nos potenciais Kamikaze rodoviários das estradas com viaturas coladas a circular a 150 Km/h e mais, na economia paralela (fuga aos impostos e à segurança social, falsos recibos verdes, fuga de capitais), e na gestão, nem sempre muito rigorosa, de muitas autarquias.



  Em Lamego existe um parque de estacionamento sui generis, brilhantemente improvisado pelos autarcas responsáveis, mas que não respeita muito o património urbano. 

Todo um passeio de uma alameda arborizada, junto à Câmara está preenchido de viaturas estacionadas, que não ficam sujeitas a multa pois resolveram a questão colocando as placas, de forma completamente insuspeita, de estacionamento privado do Munícipio. 

Entretanto muitas pessoas, desde crianças e mães a levar carrinhos de bebé, a velhinhos com bengala, insistem em usar aquele passeio tendo de se descolar, quase todo o percurso, a descer e a subir do rebordo para a sarjeta, e da sarjeta par o rebordo. 

A Câmara Municipal devia nas extremidades do ex-passeio colocar setinhas a recomendar o uso só do passeio oposto. Ao fim e ao cabo, naquela alameda, deixaram de haver dois passeios visto um deles ser agora um parque de estacionamento.

Mas em Portugal ninguém leva a mal.

Contudo, esta aparente tolerância, esta cumplicidade transversal à nossa sociedade, acaba por encobrir o que no fundo significa, o que no fundo gera: uma falta de confiança generalizada nas instituições e no outro.

Isso foi bem evidente no referendo à regionalização.

O lógico era que as pessoas votassem sim para que as regiões pudessem ter mais autonomia na gestão das suas mais valias, e responder mais adequadamente às necessidades da população, por um melhor conhecimento, por uma convivência quotidiana e pessoal com essas necessidades.

Teoricamente a regionalização teria tudo a favor, por exemplo numa região como a do Douro, a região agrícola mais auto-suficiente do país e com um turismo que tem vindo a crescer exponencialmente. 

Quem conhece melhor os problemas de uma região, quem os vive no terreno, no dia -a -dia, à partida é quem estaria mais apto a uma gestão eficaz dos recursos disponíveis (de origem fiscal, da União Europeia ou outros), mais do que aquele que tem a sua vida estabelecida em Lisboa e é sobretudo com a realidade e as solicitações da capital com quem tem de viver no seu quotidiano.

Mas, ao povo português quando lhe perguntaram se queria ser ele a assumir uma quota -parte maior nas responsabilidades do governo do país, votando sim à regionalização, de certa forma o povo viu-se ao espelho e disse não. 

Em Lisboa bem podem dizer que para lá do Marão mandam não os que lá estão mas  os que cá estão, na capital.

Os argumentos à mesa do café, a favor do não, de que eu me apercebi na altura, e que hoje ainda se ouvem, revelam falta de confiança dos locais nos conterrâneos e no poder autárquico e o certo é que a regionalização foi chumbada na maioria do país. 

Todo o orgulho regional desaparece inesperadamente.

Que razões as câmaras municipais e juntas de freguesia no geral, tem dado para essa desconfiança a ponto de os portugueses terem rejeitado a descentralização, é um assunto que mereceria um grande estudo antes de novo referendo.

Das 2 maiores cidades o Porto, com bons exemplos paradigmáticos de afirmação regional, foi uma das excepções e votou sim à regionalização, Lisboa apesar de ser na altura maioritariamente de esquerda (que defendia a regionalização) votou naturalmente não, pois quem parte e reparte e não fica com a melhor parte ou é tolo ou não tem arte.

Houve na capital nortenha vozes importantes da sociedade dita civil em defesa da regionalização.

Mas o resto do país tirando, salvo erro, Évora e outra cidade provavelmente insular, não as acompanharam neste empenho, nesta paixão regional.

Em Portugal somos socialmente tolerantes, cúmplices e complacentes, com fugas aos impostos, desvarios rodoviários, comportamentos de má cidadania, pecadilhos institucionais mas que nos deixa, como povo, e no que é transversal a toda a sociedade portuguesa, seguramente com algum desconforto ligeiro e uma leve suspeita de com outra cultura social mais impregnada de responsabilidade cívica o País estaria agora bem mais tranquilo e confortável.

sábado, 4 de fevereiro de 2012

Ora vamos lá a ver...



Na vida de um português trabalhador assalariado cerca de 60% do que ganha, durante décadas, vai para o Estado, e, pelo menos no caso dos funcionários públicos, a fatia maior desses 60% nem a chega a ver, fica logo retida na fonte.

Por seu turno a habitação obtida com crédito bancário acaba por ficar a um custo muitíssimo maior que o seu valor inicial.

E querem agora, mais ou menos subliminarmente, os políticos ditos liberais e, recentemente, os grupos e agências da alta finança, fazerem-nos sentir culpados, por grandes gastadores que somos. Pois não sabemos fazer contas à vida e andamos a consumir para além das reais possibilidades individuais e do país.

Temos assim de estar atentos não só à nossa própria economia doméstica como aos eventuais trambolhões nacionais.

Mas a quem entregamos diretamente a fatia maior do que ganhamos, aos do governo e dos bancos e finanças, por pior que seja a sua gestão, por maior que seja o desnorte, acabam sempre por se descartarem de qualquer culpa ou responsabilidade, salvaguardando-se e aos seus interesses, até com recompensas em novos cargos, indeminizações Kafkianas, juros acrescidos e reformas acumuladas e milionárias.

Como se regressássemos a uma nova forma de feudalismo mas agora politico-bancário.

Não nos podemos esquecer do contributo do cidadão português médio no seu dia-a-dia, para o descalabro nas finanças e na economia, ou seja economia paralela, falcatrueiros que se aproveitam da boa -fé do rendimento mínimo e outros gabirus do mesmo estilo, consumismo desproporcionado, comportamento egocêntrico e individualista, laxismo, falta de civismo e de cidadania, custos astronómicos com o primado do transporte individual, imensamente agravado com os acidentes, sobre os transportes públicos. Mas é sem dúvida, e também sem parecer libertar-se daquelas características populares portuguesas, o complexo burocrático político-bancário o responsável maior pelos maus resultados, pelas oportunidades perdidas com a adesão ao Euro. Até porque se tratam de políticos que assumiram a responsabilidade de nos levar a bom porto. Mas em caso de crise dispõem de grandes iates salva-vidas e o comum dos contribuintes disputa o lugar nos botes apinhados ou é bom que seja bom nadador e com grandes reservas calóricas.

Num país onde a economia paralela tem um peso de cerca de 30% do total da nossa economia, onde provavelmente os grandes especialistas de direito fiscal e responsáveis da correspondente legislação ajudam as grandes empresas a contornar essas leis, é justamente a quem tem assegurado o grosso das receitas fiscais, a classe média no geral e o funcionário público (FP) em particular, que lhe são impostos cortes substanciais no seu salário e na sua reforma, de forma imoral senão ilegal, para ajudar os ministérios da finanças e da economia a atenuar o seu desgoverno ou o mau governo, desde a entrada do país na União Europeia.



Opção claramente ideológica


E criam um fosso entre o Funcionalismo Público e a Iniciativa Privada, com cortes de salário significativos na Função Pública, fazendo-a sentir culpada, acusando-a de privilégios quando a opção profissional pelo sector público ou pelo sector privado é livre e ambos estão sujeitos a regras de acesso, e a uma legislação que em termos de protecção e estabilidade do emprego, nos actuais moldes, pouco ou nada difere, senão veja-se o caso dos professores, havendo contudo melhores vencimentos no privado, nos cargos médios e nos mais diferenciados.

Mas para os que interiorizam que o FP faz parte de uma raça de privilegiados, e que é justo que se lhes vão cortando os salários, cortes que se encaminham para os 25% / ano, e que é de boa política ir reduzindo o peso do Estado deviam ter em conta alguns aspectos.

Quem recorre aos serviços médicos do ainda Serviço Nacional de Saúde, quem tem os seus filhos a estudar no Ensino Público, deveria pensar que quanto mais o Estado se for desvinculando destes monstros (para usar a terminologia do nosso actual 1.ª ministro) maiores serão os encargos que de futuro vai ter que suportar, ou maiores as probabilidades de não o poder fazer.

Por outro lado o comerciante, o industrial, o empresário devem-se lembrar que a classe média é inegavelmente a principal, senão a absoluta garante da paz possível, da coesão social e do desenvolvimento económico e que quanto mais se fragilizar o funcionalismo público sob o aspecto sócio- económico, mais se fragiliza aquela classe.




Mesmo quem defende um sistema liberal deve ter, certamente, em linha de conta este aspecto.

Mas têm-se visto é políticos, e de partidos frequentados por fans, em privado, dos paraísos fiscais, que defendem o liberalismo e que só são liberais (se bem que de direita conservadora) em se irem livrando das responsabilidades de um estado social, porque em impostos, pelo menos para quem os paga, já são sociais-democratas.

O subsídio de Natal foi instituído em 1973 pelo Dr. Marcelo Caetano e o 13.º mês no pós- 25 de Abril pelo general Vasco Gonçalves com o fim de atenuar as enormes diferenças em vencimentos entre Portugal e a média dos países europeus mais próximos. E mesmo assim, hoje em dia, os nossos 14 meses de salário, correspondem somente a 1/3 ou mesmo a ¼ do total salarial dos 12 meses da maioria dos países da Europa Ocidental.

Por outras palavras 12 meses de salário anual em países como a Holanda equivalem a cerca de 36 meses de salário em Portugal.

Até a Grécia e a Irlanda, nossos companheiros neste ostracismo económico-social tem salários bem mais elevados.

Aqueles subsídios não são nenhuma benesse extraordinária. Fazem parte do vencimento e contribuem minimamente para diminuir o fosso entre Portugal e aqueles países.

Ao fim de décadas de governos ditos sociais-democratas (mas inscritos no clube dos partidos liberais) e de governos socialistas, ditos do socialismo democrático, Portugal é o país europeu, com maiores desigualdades económicas e aquele em que em que os sacrifícios pedidos em nome da austeridade recaem mais sobre quem menos tem, como foi recentemente descoberto e divulgado por Bruxelas.




Mas e a Europa? O regresso à velha e boa História?

O convívio entre os povos na Europa, entre nações e impérios, foi sempre feito, em escalas diferentes, desde os primórdios da nossa civilização, a ferro e a fogo. Os acordos ou as imposições a que se chegavam entre países, nações e etnias, dominadores e subjugados, atacantes e resistentes, eram estabelecidos através das armas.

Desde o fim da 2.ª Guerra Mundial e sobretudo desde a formação da União Europeia e da moeda única que vivemos um período de paz absolutamente atípico na Europa.

Mas parece que este estranho interregno, está a chegar ao fim. Iremos provavelmente voltar ao velho e habitual rumo dos países e das nações em que as voltas e as reviravoltas da história na Europa se continuaram a fazer sob o signo dos nacionalismos mais ou menos aguerridos e de xenofobia auto alimentada. Em que os países nascem e se afirmam pela exclusão dos outros.

Se voltarmos, neste pequeno continente retalhado que mais parece uma península do vasto continente asiático (como nos era ensinado na escola), aos processos sociais político-militares, desde o Império Romano, e da Antiguidade, ao fim da 2.ª Grande Guerra, é natural que o resto do mundo nos olhe com alguma perplexidade, atendendo à escala e à mesquinhez e irracionalidade de disputas liliputianas.
Há quem diga que na Europa há políticos (de viveiro, burocraticamente standartizados) a mais e estadistas a menos, estadistas de grande envergadura, capazes de alcançar o impossível como foi o caso de uma Europa sem fronteiras e sem guerras e agora com uma moeda única.

De qualquer forma se a União Europeia não avançar para uma forma de federalismo, pelo menos para um governo económico, com uma política fiscal (e social) comum, entraremos muito provavelmente num processo de desagregação, num retrocesso civilizacional com cenários inimagináveis de colapso do mundo que conhecemos nas últimas décadas.




quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

Hiperactividade e Défice de Atenção




Todas as crianças sempre foram, são e serão hiperactivas, relativamente aos grupos etários posteriores, passe a redundância.
Mesmo as que aparentam mais contenção, assim que surjam as condições propícias é ver como toda a forma de energia, própria destes grupos etários, salta cá para fora.


Dentro da hiperactividade infantil, sempre houve crianças cuja actividade se tornava mais perturbadora, chamando-se a essas irrequietas (ou que tinham os bichinhos carpinteiros), adjectivo que desapareceu misteriosamente do léxico usado para caracterizar o comportamento infantil. 


E quando essa irrequietude começava a traduzir-se por prejuízos e acidentes próximos do exasperante, utilizava- se outro termo que também parece ter caído em desuso: traquina, criança traquina.
Os adjectivos  irrequieto e traquina além de serem em termos absolutos, mais adequados, para descrever um comportamento, não trazem consigo a conotação de distúrbio comportamental,  de patologia,  como acontece com os adjectivos hipercinético e hiperactivo. 


Por seu turno o agora pomposamente chamado défice de atenção foi sempre comum na criança que se dizia estar com a cabeça na Lua, ou ganhava o epiteto de cabeça no ar. Só que o ambiente de disciplina na escola era bem diferente e os professores optavam, e tinham condições para isso, por um controlo apertado chamando continuamente à terra os que andavam a vogar pelo espaço. Desta forma não se notava tanto o problema do dito défice, aliás ainda nem se falava dele e, pelo menos em Portugal, ainda não estava na moda.


À parte o comportamento  desajustada e desproporcionadamente agressivo de alguns professores que, de forma merecida, foi condenado e erradicado, no geral era muito mais fácil manter os alunos com atenção, até porque pais e educadores tinham uma imagem, junto às crianças, de outra grandeza, mais de acordo com uma real e indispensável hierarquia biológica e social da experiência e da maturidade, imagem que acabaria por se tornar mais prosaica e acessível.





De qualquer forma, em poucas dezenas de anos a natural cinésia da infância, e os desvios de atenção nas aulas passaram a ser rotuladas como doenças a necessitar, a rogo dos pais e professores, de consultas de Psicologia e Pediatria e até de Psiquiatria, e do recurso a psicotrópicos que merecem receitas especiais.

Como se este período do crescimento, com uma cinésia e uma entropia muito próprias e que se irão perdendo inelutavelmente, em termos biológicos, ao longo da vida, para dar lugar ao processo progressivo de maturação cognitivo-comportamental (mais educação, mais ponderação e contenção, mais organização e mais ordem) se caracterizasse, nos dias de hoje, por desvios de carácter, em casa e na escola, a necessitarem de atenção clínica e apoio medicamentoso.


O que na verdade se tem passado é que para além da eterna irrequietude infantil esta está bastante mais liberta de condicionamentos repressivos e disciplinadores, pelo que extravasa despreocupadamente sem peso nem medida, e passou a ser hipervalorizada.


Em termos meramente formativos, na década de 50, do Século XX, uma criança de 6 anos, apenas com um único livro escolar para toda a matéria, com um lápis, uma borracha e uma caneta, numa pequena caixinha de madeira, e em que a máquina de calcular era o seu cérebro, sem precisar de ser sobredotada (outro adjectivo pomposo muito em voga), já fazia, na 1.ª classe, contas de dividir.

Nos dias de hoje ficamos embaraçados e constrangidos ao ver jovens licenciados de 25 anos que não sabem responder ao quantos são 8x4 e que localizam mentalmente o Everest nos Pirinéus.
Desde meados do século XX, depois da 2.ª Grande Guerra, iniciou-se na Europa e nos EUA um processo de contestação dos valores morais e familiares dominantes e das formas tradicionais, familiares e escolares, de educar os mais novos.


Para além disso, e também como consequência disso, a apoteose humana das sociedades de consumo, a mudança nos hábitos de vida na família e na sociedade, com a emancipação da mulher, as famílias monoparentais, a subida exponencial do número de divórcios em proporção inversa com o número de casamentos, e, em nome da modernidade, o advento dos multimédia, a desinibição crescente nos comportamentos e atitudes, quer na família quer na sociedade, cada vez com menos rédeas e mais desregrada, o espectro que se vai alargando de opções lúdicas com acesso livre dos mais jovens a todo o tipo de conteúdos quer nos jogos de computador, quer na net ou na televisão, a invasão dos fast-food e junk-food, acompanharam aquele processo de contestação e fizeram parte dele.


Neste contexto, parece-me óbvio que tem havido uma conjugação de factores ambientais, alimentares, educacionais e lúdicos que moldaram os comportamentos infantil e juvenil mais como catalisadores energéticos, destruturantes, e agora em espaços muito mais confinados, do que como agentes formativos e estabilizadores. (1)


Da sala de brincar, da rua, do jardim e do quintal, mesmo do pinhal, dos baloiços e dos escorregas, as crianças passaram a frequentar a alcatifa da sala de estar, espaço compartilhado e disputado com os mais velhos, com prejuízo mútuo das actividades e vivências próprias de cada grupo etário.


A energia da infância continua lá e se não se liberta numa corrida de triciclos ou num jogo às escondidinhas acaba por dar notícia da sua existência de formas bem mais perturbadoras, dentro das quatro paredes.


A criança, nas sociedades em que estamos integrados, deixou, dentro do seio familiar, muito do seu nicho próprio, mais individualizado, com uma outra dimensão muito sua, e passou a ter um papel mais activo no convívio com os adultos como o entretém maior, como compincha em miniatura, como o leitmotiv dominante nos assuntos do dia, dentro e até fora de casa. Em consequência até é descurado de forma mais ou menos inocente um repouso adequado, com as indispensáveis horas de sono, havendo casais que só não levam os seus filhos pequenos para a discoteca porque lhes interditariam a entrada (2).


A partir do momento em que a criança é eleita como o rei ou a rainha da festa, como o centro das atenções, todos os dias, onde quer que esteja, quer na intimidade do lar quer em ambiente de convívio alargado a outros familiares, amigos, colegas e até em encontros de ordem meramente profissional, fará os possíveis por reivindicar esse estatuto, sobretudo quando se vê esquecida, procurando chamar e monopolizar todas as atenções com as armas de que dispõe a nível cinético e afectivo.


Por outro lado praticamente desde que nasce é com frequência sujeita, via TV, a um bombardeamento diário de milhões de imagens a velocidades desmesuradas para um pequeno cérebro, em período critico, de estruturação cerebral, e ainda sem capacidades para processar esta vaga de informação, televisão que compete com as formas mais adequadas de condicionar a maturação cerebral, TV a que mais tarde, ainda na infância claro, se associam os jogos da PlayStation e dos computadores. (3)



Não só não sedimentam conhecimentos (ao contrário dos livros, do teatro e dos filmes vistos em idades apropriadas, dos jogos de tabuleiro onde se socializa e desenvolve a linguagem com o diálogo a que obrigam, e se aprende a interpretar códigos de conduta e de convívio) como originam comportamento agressivo, problemas de atenção, obesidade e falta de horas de sono.

A indústria alimentar, por seu turno, perversamente dirigida ao público infantil, conquistando-o e moldando-lhe os gostos, com uma sobrecarga de até 80% em açúcar e chocolate nos cereais, que ainda oferecem brinquedos, e com a cafeína de alguns refrigerantes será outro dos factores a ter em conta no campo da hiperactividade infantil.











O desenvolvimento do ser humano tem várias fases, grosso modo 1.º ano de vida, 1.ª e 2ª infâncias, pré adolescência e adolescência, adulto jovem, adulto, meia- idade e idoso, fases com características muito particulares e vincadas, características que não são só culturais e sociais, com que habitualmente se explica, por exemplo, o comportamento egocentrista e contestatário dos adolescentes, mas básicamente biológicas. Ao olhar para uma criança ou um adolescente, um adulto tem de os encarar como seres também humanos mas em tempos biológicos diferentes. Os neurónios dos lobos frontais, responsáveis pela socialização, planeamento e inibição só ficam completamente formados aos 21 anos.(4)

Uma criança não é um adulto em miniatura. Forçar as relações como se o fora, acaba em prejuízo para ela própria e para um salutar convívio intergeracional e intrageracional. 


Se na segunda infância tem potencialidades para o cálculo mental que se não forem desenvolvidas nessa altura acabarão por se perder, ainda lhe faltam muitos anos para abrandar, por si só, o seu potencial hipercinético relativo, e obrigar-se a concentrar no que diz o professor, e nos livros. A abordagem escolar, para ser realmente eficaz, terá de ser feita atendendo às particularidades da infância, por um lado em termos de aproveitamento das capacidades de plasticidade mental irrepetíveis, por outro para a necessidade de disciplinar o comportamento. 


E isto não vai mudar por mais soluções luminosas, pretensamente progressistas e libertárias, e sobretudo politicamente correctas, que se sucedam no Ministério da Educação, com os resultados à vista, ou por muito que se queiram justificar os incómodos causados por se ter passado do 8 para 80 na permissividade, e na passividade com que lidamos com o comportamento infantil, rotulando-o com adjectivos mais apropriados a perturbações patológias da mente.



(1) Englobadas também por estas mudanças libertárias, em nome da modernidade, nos códigos de valores da família e da sociedade, na deusificação do consumo, mas como que vivendo em universos paralelos à burguesia (à classe média, à média alta, e até à pequena burguesia) temos as realidades bem diferentes dos bairros sociais, e dos bairros clandestinos, fonte permanente de marginalidade de crime, de exclusão. Mas aqui também estas mudanças parecem constituir mais um factor de instabilidade social do que de civilidade.


 (2) Como pediatra pude observar uma pequenina de 4 anos, com herpes peribucal singularmente exuberante, sinal seguro de diminuição das resistências do corpo e da mente, quebra do estado geral notória, aspecto franzino, com olhos encovados e uma pneumonia declarada.
Quando recomendei ao pai para a pôr cedo na cama, nem era muito cedo (20h), ele ficou muito espantado a olhar para mim e respondeu-me que isso era difícil porque ela está habituada a ficar com os irmãos mais velhos, até tarde (…), a jogar play-station.


(3) Os primeiros 10 anos constituem uma fase irrepetível de produção de sinapses nervosas e vias neuronais, fase em que a plasticidade nas conexões e estrutura neuronal necessitam, mais que em qualquer outra altura da vida, de condições as mais adequadas possíveis para uma plena maturação. 


(4) Por assim dizer, antes dos 18-21 anos, o córtex pré-frontal é imaturo, subdesenvolvido, tem diminuição relativa do controle dos impulsos, do juízo, da avaliação.

A percepção, o conceito que temos da dimensão do tempo também varia com a idade e a correspondente cinésia, própria de cada grupo etário ou seja quanto maior for a energia cinética ou mesmo a entropia que geramos, mais dilatado se torna o espaço de tempo de que dispomos, em termos de noção, e expectativa.



E aqui, mais uma vez não se trata de uma questão social, cultural ou educacional mas biológica, ou melhor, cronobiológica.
Lembro-me de uma vez, em que fui com a minha filha adolescente ao Cinema, dentro de um grande centro comercial (como há poucos por essa Europa fora, aliás), com muitas montras, cafés, livrarias, termos chegado 30 minutos mais cedo. Ela vira-se para mim, com preocupação e algum pânico expressos com um o que é que vamos agora fazer neste tempo todo que falta?


Numa entrevista radiofónica a um emigrante português no Japão, provavelmente na casa dos vinte e tais, este para caracterizar as diferenças de idade, com outros colegas, recorreu à seguinte descrição: eles que têm muitos mais anos (que eu), trinta e tais, quarenta anos (…).


Na verdade para um individuo mais velho, de 60 anos por exemplo, o espaço de tempo que medeia entre ele e um adulto jovem de 20 anos é percepcionado como sendo mais curto que o mesmo espaço de tempo percepcionado pelo jovem, que o encara como ainda muito longínquo.


Para uma criança um dia corresponde perceptívelmente a um período de tempo maior do que para um adulto jovem e muito maior do que para um idoso. E se já há essa diferença circadiana, então quando se fala em meses, para essa criança, isso quase equivale a falar em anos para um adulto. 



Quanto maior a energia cinética mais o tempo se dilata.


Em suma há diferenças marcantes na perspectiva que temos da realidade, em termos de variações cronobiologicas, sendo a dimensão dos espaços de tempo inversamente proporcional à idade e directamente proporcional à quantidade de energia cinética característica de cada grupo etário.