quarta-feira, 25 de julho de 2012

Publicidade e Ética




Nas últimas décadas, desde o século passado, a publicidade foi crescendo em progressão geométrica, adaptando-se de boa ou de má-fé, às mudanças na Educação em casa e na escola, à cultura da fast-food ou da junk-food, como são conhecidas nos Estados Unidos, nação de quem se copia menos o rigor, os padrões de exigência, a responsabilidade, o trabalho, o civismo e a cidadania, e muito mais a irreverência nas séries televisivas, o desperdício, a moda desportiva-urbana e a Coca-Cola.

Aliás as próprias agências de propaganda também elas podem moldar ou reforçar novos hábitos de vida e de consumo e inventar necessidades.

Mas um conjunto de factores, os alarmes contínuos, diários, hora a hora, de políticos e comentadores, que desde há mais de 4.000 dias nos dizem de forma cada vez mais estridente, que estamos à beira do precipício económico e financeiro, o repensar na Educação e nos hábitos alimentares, em particular no que concerne à obesidade, e, sobretudo, uma quebra drástica no poder de compra dos portugueses, condicionaram um certo arrepiar de caminho na publicidade.

De qualquer forma a publicidade aqui descrita ilustra bem uma época em que o apelo ao consumo (bebidas, telemóveis, alimentos, jogos de computador, brinquedos) se dirige muito a crianças e adolescentes, associando-o a atitudes subversivas, tão do agrado daqueles grupos etários e até a um significativo esbanjamento, vistos com simpatia.

Muitos destes filmes publicitários, felizmente, tiveram uma passagem fugaz pela televisão, mas é importante recordá-los.

Certo dia, em conversa amena, disse a uma senhora representante de uma conhecida marca de produtos alimentares para crianças, que, no que respeita a cereais com cobertura de chocolate e outras formas de os tornar bem mais doces, eles, os responsáveis da dita empresa, não estavam a ser honestos.
-Pois não, retorquiu de imediato, mas desde que começamos a tirar açúcar aos cereais a concorrência passou a vender mais.

A publicidade, entretanto, tira partido, por um lado, da imaturidade própria da infância, e de uma exagerada passividade e submissão dos pais face aos caprichos dos filhos, por outro pelo facto da tarefa dos progenitores em procurarem introduzir gradualmente na dieta da criança, os legumes, a fruta, as proteínas animais, se revelar muitas vezes complicada, até pela falta de tempo, característica destes tempos.

Num determinado anúncio televisivo vê-se um menino, sentado à mesa da cozinha, a afastar com as mãozinhas os sucessivos pratos que a mãe lhe vai colocando à frente: tem espinhas…tem nervos…tem casca… A solução: pão de forma sem crosta, de uma determinada marca, e a mãe fica com os seus problemas, em alimentar o filho, resolvidos.

Ainda noutro anúncio, que mostra um jantar rotineiro de uma família risonha, de aspecto despreocupado, feliz e contente, a filha mais nova, ainda na 1.ª infância, despeja o prato de bróculos ou qualquer outro legume, dentro do aquário, travessura que se aceita naturalmente, ninguém se surpreende, ninguém a corrige, ninguém repreende e que leva a mãe a levantar-se levemente preocupada. Voz do locutor: não se preocupe, agora tem ao seu dispor uma margarina vegetal…de cujo nome não me recordo, mas penso que era evocativo do reino vegetal.

E, noutro anúncio, para quê mandar a criança para a escola com uma peça de fruta e um pão com fiambre, para o lanche? Dá-se-lhe um chocolate, que não ocupa tanto espaço, e é mais prático pois poupa-se em trabalho e em tempo.








A publicidade dirigida às crianças e adolescentes, no campo da alimentação, tem vindo a incrementar a substituição da gastronomia doméstica e tradicional (e dos princípios que regem a roda dos alimentos) pela chamada “fast food” ou “junk food”, de manipulação uso e consumo, regra geral, muito mais simples e rápido.


Com recurso a um marketing agressivo, muito difundido pelas televisões, com embalagens e acessórios, normalmente brinquedos, apelativos ao imaginário infantil e juvenil, com aditivos em açúcar que podem chegar aos 80% e associando os seus produtos a uma maneira consensual, moderna e actual de estar na vida, este tipo de indústria alimentar alicia filhos e pais.

Como consequência também podemos testemunhar em muitas famílias, na maioria das refeições, a secundarização ou mesmo a total ausência de legumes e fruta frescos. No caso de Portugal, curiosamente, podemos encontrar esta realidade no campo, tanto ou mais vezes, que nas grandes metrópoles. Mesmo quando os pais não têm esse hábito as crianças impõem-no, e é moderno e politicamente correcto não as contrariar.

Chega-se ao cúmulo de em zonas rurais deixarem apodrecer as batatas cultivadas e colhidas com grande esforço e sacrifício e (ingenuamente) “mimarem” as crianças com pacotes modernos de batatas fritas industriais, com cerca de três vezes mais de gorduras polinsaturadas que as batatas fritas feitas em casa, aliás as primeiras de muito pior sabor quantas vezes rançoso.

E depois de se habituarem aos aditivos, e condicionados pela publicidade que os glorifica, mesmo o sabor intenso do milho simples torrado como nos corn flakes, passa a ser, para os jovens, desinteressante e mesmo desenxabido.


O aumento do número de crianças que padecem de excesso de peso, e das que vão começando a aparecer com níveis altos de colesterol, com todos os problemas para a saúde e para o desenvolvimento que daí advém, devem ser vistos neste novo contexto, para além de outros factores como o sedentarismo, junto aos écrans da televisão, da Play-Station e do computador.

É também notório que a publicidade, a promover o consumo de álcool, é cada vez mais descaradamente dirigida aos adolescentes e aos adultos que há pouco tempo deixaram de o ser.

A estratégia reside em associar à irreverência, à alegria e à espontaneidade da juventude o consumo de bebidas alcoólicas.

A idade dos protagonistas intervenientes nos anúncios de bebidas alcoólicas (desde conhecidas marcas de cerveja até bebidas brancas) tem vindo a descer a ponto de encontrarmos jovens de aspecto e contexto escolar universitário que sugerem idades à volta dos 20 anos, em anúncios não só de cerveja mas também de bebidas com maior teor de álcool, isto tanto na TV pública como na tela dos cinemas e em placards gigantes.

Pisca-se o olho a um patamar populacional inexperiente de potenciais consumidores mais fáceis de aliciar.

Ou seja promove-se cada vez mais, na publicidade dos nossos dias, junto à massa estudantil o usufruto consentido das bebidas alcoólicas e explicitamente, em anúncios na tv e no cinemas, das noites e madrugadas sem dormir e bem bebidas, associando (e com êxito) aqueles hábitos, à mudança inevitável e inelutável dos novos tempos, às atitudes simpaticamente transgressoras de uma juventude na moda, descontraída, cool, actual, irreverente e alegre, como deve ser o apanágio dessas idades.   
        
A publicidade com frequência cada vez maior, por vezes de forma quase subliminar, outras de forma bem descarada, não olha a meios nem a escrúpulos para atingir metas e objectivos centrados unicamente no volume de vendas, não só na área da alimentação, mas noutras áreas.

Em plena época escolar encontramos um anúncio na TV em que dois adolescentes se revezam durante toda a madrugada para navegar na Internet, e, pela expressão entusiasmadíssima e divertida dos dois, parecem estar motivados por novidades lúdicas ou lúbricas, ou pelo simples fascínio pela tecnologia em si. Não há nenhum caderno de apontamentos ou livro de estudos por perto.

Isto sabido que é, tanto pela ciência como pelo senso comum, se os pais precisam de dormir, este grupo etário necessita de mais horas de sono nocturno do que os seus encarregados de educação.

No campo dos valores que, no seu relativismo, ainda são indispensáveis para um mínimo de bem-estar social, também piscam o olho à subversão pretensamente domesticada e se não o for logo se vê. É o caso de um anúncio (que entretanto felizmente desapareceu) em que um acordo de cavalheiros, selado com um aperto de mão, é mostrado de forma pejorativa como (exemplo de) uma atitude do passado considerando-se, com este exemplo de códigos de honra, que aqueles tempos, aqueles comportamentos, eram (uma grande seca) um anacronismo.

Um apelo à descontração, à irresponsabilidade, à falta de brio, como se só estivesse atribuído a alguém, no Governo ou em Bruxelas, mais concentrado e responsável, o papel de velar para que as coisas não descambem.

Entretanto e voltando à alimentação, até os cereais com coberturas de chocolates nos são mostrados, noutro anúncio, e com um grande piscar de olhos às adolescentes, associados a atitudes de irreverência, de rebeldia, de afirmação perante os adultos e também perante o outro sexo, anúncio em que duas jovens descobrem, de cada vez que mastigam uns quaisquer cereais estaladiços que, por cada crunch, vão destruindo, espatifando brutalmente a casa do vizinho da frente, entusiasmadíssimas e ultra sorridentes, com gargalhadinhas e gargalhadonas ostensivas e agressivas, com tanto mais entusiasmo quanto mais o dito vizinho fica aterrorizado e em pânico, enquanto, noutros anúncios, os yogurtes, as bebidas de leite e sumos  são-nos revelados per si e por acréscimo, com insuspeitadas potencialidades erótico-sensuais.

Desde o aparentemente mais inocente, como o da margarina como substituto de legumes, para satisfazer caprichos infantis, até ao mais grave, como incentivar o consumo de álcool junto a um grupo etário de jovens que entre outras especificidades e consequências é responsável por 1/3 dos acidentes mortais de viação, a publicidade serve, neste contexto, sem grandes ou nenhuns escrúpulos, de forma muitas vezes perversa, simplesmente a ganância de grandes empresas e multinacionais, onde se tem mais em conta o lucro do que a saúde dos consumidores.

O que ensinam na sala de aulas, em casa ou em programas da National Geographic,  sobre os bons hábitos alimentares, e sobre o respeito que a sociedade nos deve merecer no dia-a-dia, não vale nada em comparação com um bom anúncio, ou uma série televisiva, em  que passam imagens de desregramento, no recurso à comida de plástico, no desperdício, no laxismo nos códigos de conducta e nas atitudes  cívicas, na desinibição sem rédeas no relacionamento humano, como se fosse o modus vivendi mais bem aceite nas sociedades que se querem modernas e avançadas.

No século passado, até ao último quarto, associávamos o cigarro aos heróis e heroínas da tela, sobretudo nos momentos de grandes decisões e de expectativa, mas também depois de um banquete ou até no epílogo de um encontro amoroso, e, como resultado, íamos a correr à tabacaria mais próxima, onde nunca pediam o bilhete de identidade. Agora associamos os novos heróis a pizzas tiradas do frigorífico, a refeições que vêm em embalagens de cartão ou de alumínio, os pés em cima da mesa, a duas dúzias de palavrões por cena e só os vilões, os maus da fita, falam educadamente, tem biblioteca, tocam órgão e comem à mesa com bons talheres e boa faiança, refeições  cuidadosamente confeccionadas  em casa, e acompanhadas de um bom tinto.















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