
Aliás as
próprias agências de propaganda também elas podem moldar ou reforçar novos
hábitos de vida e de consumo e inventar necessidades.
Mas um conjunto de factores, os
alarmes contínuos, diários, hora a hora, de políticos e comentadores, que desde
há mais de 4.000 dias nos dizem de forma cada vez mais estridente, que estamos
à beira do precipício económico e financeiro, o repensar na Educação e nos
hábitos alimentares, em particular no que concerne à obesidade, e, sobretudo,
uma quebra drástica no poder de compra dos portugueses, condicionaram um certo
arrepiar de caminho na publicidade.
De qualquer forma a publicidade
aqui descrita ilustra bem uma época em que o apelo ao consumo (bebidas,
telemóveis, alimentos, jogos de computador, brinquedos) se dirige muito a
crianças e adolescentes, associando-o a atitudes subversivas, tão do agrado
daqueles grupos etários e até a um significativo esbanjamento, vistos com
simpatia.
Muitos destes filmes publicitários,
felizmente, tiveram uma passagem fugaz pela televisão, mas é importante
recordá-los.
Certo dia, em conversa amena,
disse a uma senhora representante de uma conhecida marca de produtos
alimentares para crianças, que, no que respeita a cereais com cobertura de
chocolate e outras formas de os tornar bem mais doces, eles, os responsáveis da
dita empresa, não estavam a ser honestos.
-Pois não, retorquiu de imediato,
mas desde que começamos a tirar açúcar aos cereais a concorrência passou a
vender mais.

Num determinado anúncio
televisivo vê-se um menino, sentado à mesa da cozinha, a afastar com as
mãozinhas os sucessivos pratos que a mãe lhe vai colocando à frente: tem
espinhas…tem nervos…tem casca… A solução: pão de forma sem crosta, de uma
determinada marca, e a mãe fica com os seus problemas, em alimentar o filho,
resolvidos.
Ainda noutro anúncio, que mostra
um jantar rotineiro de uma família risonha, de aspecto despreocupado, feliz e
contente, a filha mais nova, ainda na 1.ª infância, despeja o prato de bróculos
ou qualquer outro legume, dentro do aquário, travessura que se aceita
naturalmente, ninguém se surpreende, ninguém a corrige, ninguém repreende e que
leva a mãe a levantar-se levemente preocupada. Voz do locutor: não se preocupe,
agora tem ao seu dispor uma margarina vegetal…de cujo nome não me recordo, mas
penso que era evocativo do reino vegetal.
E, noutro anúncio, para quê
mandar a criança para a escola com uma peça de fruta e um pão com fiambre, para
o lanche? Dá-se-lhe um chocolate, que não ocupa tanto espaço, e é mais prático
pois poupa-se em trabalho e em tempo.
Com recurso a um marketing
agressivo, muito difundido pelas televisões, com embalagens e acessórios,
normalmente brinquedos, apelativos ao imaginário infantil e juvenil, com
aditivos em açúcar que podem chegar aos 80% e associando os seus produtos a uma
maneira consensual, moderna e actual de estar na vida, este tipo de indústria
alimentar alicia filhos e pais.
Como consequência também podemos
testemunhar em muitas famílias, na maioria das refeições, a secundarização ou mesmo
a total ausência de legumes e fruta frescos. No caso de Portugal, curiosamente,
podemos encontrar esta realidade no campo, tanto ou mais vezes, que nas grandes
metrópoles. Mesmo quando os pais não têm esse hábito as crianças impõem-no, e é
moderno e politicamente correcto não as contrariar.
Chega-se ao cúmulo de em zonas
rurais deixarem apodrecer as batatas cultivadas e colhidas com grande esforço e
sacrifício e (ingenuamente) “mimarem” as crianças com pacotes modernos de
batatas fritas industriais, com cerca de três vezes mais de gorduras
polinsaturadas que as batatas fritas feitas em casa, aliás as primeiras de
muito pior sabor quantas vezes rançoso.
E depois de se habituarem aos
aditivos, e condicionados pela publicidade que os glorifica, mesmo o sabor
intenso do milho simples torrado como nos corn flakes, passa a ser, para os
jovens, desinteressante e mesmo desenxabido.
O aumento do número de crianças
que padecem de excesso de peso, e das que vão começando a aparecer com níveis
altos de colesterol, com todos os problemas para a saúde e para o
desenvolvimento que daí advém, devem ser vistos neste novo contexto, para além
de outros factores como o sedentarismo, junto aos écrans da televisão, da
Play-Station e do computador.
É também notório que a
publicidade, a promover o consumo de álcool, é cada vez mais descaradamente
dirigida aos adolescentes e aos adultos que há pouco tempo deixaram de o ser.
A estratégia reside em associar à
irreverência, à alegria e à espontaneidade da juventude o consumo de bebidas
alcoólicas.
A idade dos protagonistas
intervenientes nos anúncios de bebidas alcoólicas (desde conhecidas marcas de
cerveja até bebidas brancas) tem vindo a descer a ponto de encontrarmos jovens
de aspecto e contexto escolar universitário que sugerem idades à volta dos 20
anos, em anúncios não só de cerveja mas também de bebidas com maior teor de
álcool, isto tanto na TV pública como na tela dos cinemas e em placards
gigantes.
Pisca-se o olho a um patamar
populacional inexperiente de potenciais consumidores mais fáceis de aliciar.
Ou seja promove-se cada vez mais,
na publicidade dos nossos dias, junto à massa estudantil o usufruto consentido
das bebidas alcoólicas e explicitamente, em anúncios na tv e no cinemas, das
noites e madrugadas sem dormir e bem bebidas, associando (e com êxito) aqueles
hábitos, à mudança inevitável e inelutável dos novos tempos, às atitudes
simpaticamente transgressoras de uma juventude na moda, descontraída, cool,
actual, irreverente e alegre, como deve ser o apanágio dessas idades.

Em plena época escolar
encontramos um anúncio na TV em que dois adolescentes se revezam durante toda a
madrugada para navegar na Internet, e, pela expressão entusiasmadíssima e
divertida dos dois, parecem estar motivados por novidades lúdicas ou lúbricas,
ou pelo simples fascínio pela tecnologia em si. Não há nenhum caderno de
apontamentos ou livro de estudos por perto.
Isto sabido que é, tanto pela
ciência como pelo senso comum, se os pais precisam de dormir, este grupo etário
necessita de mais horas de sono nocturno do que os seus encarregados de
educação.
No campo dos valores que, no seu
relativismo, ainda são indispensáveis para um mínimo de bem-estar social, também
piscam o olho à subversão pretensamente domesticada e se não o for logo se vê.
É o caso de um anúncio (que entretanto felizmente desapareceu) em que um acordo
de cavalheiros, selado com um aperto de mão, é mostrado de forma pejorativa
como (exemplo de) uma atitude do passado considerando-se, com este exemplo de
códigos de honra, que aqueles tempos, aqueles comportamentos, eram (uma grande
seca) um anacronismo.

Entretanto e voltando à
alimentação, até os cereais com coberturas de chocolates nos são mostrados,
noutro anúncio, e com um grande piscar de olhos às adolescentes, associados a
atitudes de irreverência, de rebeldia, de afirmação perante os adultos e também
perante o outro sexo, anúncio em que duas jovens descobrem, de cada vez que
mastigam uns quaisquer cereais estaladiços que, por cada crunch, vão destruindo,
espatifando brutalmente a casa do vizinho da frente, entusiasmadíssimas e ultra
sorridentes, com gargalhadinhas e gargalhadonas ostensivas e agressivas, com
tanto mais entusiasmo quanto mais o dito vizinho fica aterrorizado e em pânico,
enquanto, noutros anúncios, os yogurtes, as bebidas de leite e sumos são-nos revelados per si e por acréscimo, com
insuspeitadas potencialidades erótico-sensuais.
Desde o aparentemente mais
inocente, como o da margarina como substituto de legumes, para satisfazer
caprichos infantis, até ao mais grave, como incentivar o consumo de álcool
junto a um grupo etário de jovens que entre outras especificidades e consequências
é responsável por 1/3 dos acidentes mortais de viação, a publicidade serve,
neste contexto, sem grandes ou nenhuns escrúpulos, de forma muitas vezes perversa,
simplesmente a ganância de grandes empresas e multinacionais, onde se tem mais
em conta o lucro do que a saúde dos consumidores.
O que ensinam na sala de aulas,
em casa ou em programas da National Geographic,
sobre os bons hábitos alimentares, e sobre o respeito que a sociedade
nos deve merecer no dia-a-dia, não vale nada em comparação com um bom anúncio,
ou uma série televisiva, em que passam
imagens de desregramento, no recurso à comida de plástico, no desperdício, no laxismo
nos códigos de conducta e nas atitudes
cívicas, na desinibição sem rédeas no relacionamento humano, como se
fosse o modus vivendi mais bem aceite nas sociedades que se querem modernas e
avançadas.
No século passado, até ao último
quarto, associávamos o cigarro aos heróis e heroínas da tela, sobretudo nos
momentos de grandes decisões e de expectativa, mas também depois de um banquete
ou até no epílogo de um encontro amoroso, e, como resultado, íamos a correr à
tabacaria mais próxima, onde nunca pediam o bilhete de identidade. Agora
associamos os novos heróis a pizzas tiradas do frigorífico, a refeições que vêm
em embalagens de cartão ou de alumínio, os pés em cima da mesa, a duas dúzias
de palavrões por cena e só os vilões, os maus da fita, falam educadamente, tem
biblioteca, tocam órgão e comem à mesa com bons talheres e boa faiança,
refeições cuidadosamente
confeccionadas em casa, e acompanhadas
de um bom tinto.
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