No tempo do Vasco da Gama não havia massinhas (estrelinhas, pevides, letras ou outras).
Uma das receitas mais antigas, preconizadas e usadas pelos pediatras em Portugal, particularmente nas situações de gastroenterite, é o caldo de arroz (pode também levar cenoura) e sal, que pode ser com frango, tradicionalmente conhecido por canja.
Fiquei algo surpreendido quando me disseram, certo dia, que a canja foi “sempre” feita com massinhas, e, uns tempos depois, num restaurante de Tabuaço, serviram-me uma “canja” de vitela, com as ditas mais grão-de- bico à mistura.
Quer em bibliografia autorizada sobre a matéria quer como resultado de pesquisa na Internet a este respeito, podemos ver que a canja é uma sopa típica portuguesa feita à base de arroz, sendo a sua principal variante a canja de galinha.
Levam-nos ainda às suas origens na China onde é chamada Congee, sendo a variante mais tradicional o congee de galinha, idêntico à canja portuguesa, e à Índia, do Vasco da Gama, onde encontramos a palavra Kanji, para designar água com arroz.
Para além das nossas tradições locais e familiares num contexto de experiência e cultura regionais há um saber universal e etimológico, no mundo da gastronomia, que deveria ser respeitado, se quisermos falar com rigor.
Para mim canja é, e foi sempre desde que me conheço, sinónimo de um caldo de arroz, por mais que me mostrem caldos de galinha e até de vitela com massas, batata, grão- de- bico e o que se quiser, e a quem continuam a chamar canja. Substitui-se o ingrediente que afinal deu nome à sopa, desde há séculos, mas a mesma designação mantém-se.
Ora não é preciso grande erudição para perceber que as massinhas, de origem industrial, usualmente usadas na sopa, são de introdução muito mais recente, com aumento da sua implantação só a partir de meados do século XX.
O milenar arroz, e o caldo, provavelmente também mais que secular, feito com aquele cereal, já faziam parte da nossa gastronomia muitos séculos antes do advento das massinhas industriais.
Se há um caldo a que se chama canja, ao arroz e só ao arroz deve o nome. Neste sentido pensar em canja sem arroz é como pensar numa feijoada sem feijão.
Mas não é só por interesse académico que devemos ser fiéis à etimologia gastronómica.

O arroz, por seu turno, é dos alimentos mais inócuos, mas ao mesmo tempo uma fonte energética importante, de hidratos de carbono.
Assim se juntam a fácil digestibilidade e um bom aporte proteico calórico e hídrico no que é uma receita universal, para os mais combalidos.
De qualquer forma as massas, obviamente, não devem ser usadas antes dos 7-8 meses de vida, ao contrário do arroz que pode ser introduzido na dieta do lactente, já aos 4 meses. O que só abona em favor deste cereal em termos de digestibilidade.
Mas mesmo depois daquele grupo etário o arroz, em situações de maior fragilidade orgânica continua a ser mais indicado, pois é de mais fácil digestão além de ser objectivamente obstipante (fazendo parte, com o conjunto do caldo, de um bom hidratante), útil no caso das diarreias, o que não acontece com as massas.
PS: Também, mas neste caso de forma generalizada, se chama, em Portugal, chá de cidreira a uma infusão da mesma e onde não existe qualquer vestígio da plantinha a que no dicionário deram o nome universal de chá.
Mas uma coisa é dar uma infusão de chá propriamente dito outra é dar uma infusão de cidreira, de camomila ou de limão. É por isso que o rigor não é só para enfeitar.